domingo, 24 de julho de 2011

A visceral fragilidade humana

Uma experiência de morte no último verão deixou este ponto de vista existencial muito claro; ao ponto de dividi-lo com você.
Charles Scholl
Ser um humano passa pela ideia de compreender-se como humano, entrar em uma sala de espelhos e conseguir se enxergar de vários ângulos diferentes, de poder externar o pensamento em sistemas simbólicos fônicos, visuais, gestuais que ordenam uma sequência racional do pensamento. É bem correto afirmar que os símbolos são singulares quanto ao seu significado e são utilizados para atribuir sentido lógico capaz de transferir de forma exata determinada informação representada. Mesmo querendo buscar metáforas estapafúrdias para explicar racionalmente nossa existência, perco-me nos labirintos obscuros da complexidade humana.
Ocorre que o cotidiano não é assim. A vida é absurdamente simples, desde que não precisemos explicar nada das coisas que fizemos, se existem motivos para nossa existência, ou mesmo como funcionamos.  A complexidade nasce quando começamos a compreender como compreendemos, pois diante desse exercício temos um universo infinito de possibilidades humanas.
A expectativa de vida é algo definidor para o humor de cada dia. Quanto mais expectativa de vida temos, melhor será a disposição para enfrentar as dificuldades cotidianas e os prazeres da vida certamente serão mais aproveitados, com a ciência e o gozo de quem tem o prazer e sabe lidar com a felicidade. Também temos o inverso, em que encontramos pessoas com baixa expectativa de vida, que geralmente são mal humoradas e se são submetidas a um momento de felicidade não sabem como reagir diante do sinistro.  Talvez tal comportamento sobre os modos de pensar esteja na base dos conflitos humanos que vivemos cotidianamente. Tais conflitos tendem a tomar dimensões estratosféricas. Minha prolixidade aguda rodeou o assunto com todos esses argumentos para finalmente dizer que essa impressão de importância que damos para os conflitos humanos é absolutamente insignificante diante de determinadas situações. Principalmente quando nos deparamos com os limites da vida, ou da ciência de que estamos vivos.
Apesar de sermos máquinas de sobrevivência de genes, com prazo de validade e data certa para a morte, o período que vivemos é compreendido, sentido, percebido, entendido por um equipamento orgânico que possui um sistema nervoso central comandado por um cérebro. Tal equipamento se sobressaiu no processo de seleção natural pela sua capacidade desenfreada de produzir razão. Chegamos ao absurdo de atribuir razões para aquilo que não compreendemos. Razões aleatórias aos princípios científicos que só poderão ser compreendidas diante do aspecto humano de ser. Assim, com esse ponto de vista, compreendo os poemas de amor como uma tentativa de atribuir razão para sentimentos que não cabem na racionalidade. Que a religião nos oferta um conjunto de razões existenciais que não as temos no mundo natural. Por isso criamos Deus, para nos dar razão de um princípio, para nos orientar por um caminho que nos levará à continuidade da razão de nossa existência em outros planos existenciais que criamos. Se não fosse Kant, em sua obra “A critica da razão pura”, teríamos dificuldades de compreender esses aspectos da nossa humanidade.
Tal ponto de vista me surgiu diante de uma situação muito especial. Tive um mal estar em uma dessas manhãs de verão. Meu pescoço endureceu completamente e tive uma forte sensação emotiva que se desencadeou em uma inexplicável crise de choro. Fui confortado pela minha esposa, Natália, que estava ao meu lado. Com um estranho aperto no peito tinha as emoções a flor da pele e todos os sentimentos se tornaram muito intensos. Me tornei um vulcão em plena erupção de emoções, descomedidas, desorganizadas, radicalmente fortes capazes de apontar um grau de certeza que vinha acompanhada da extrema lucidez, que beira a loucura. O mal estar passou por um período e cerca de 20 minutos depois tudo retornou muito mais forte. Por um instante percebi que estava com dificuldades de enxergar, como estava ao volante parei o carro. Novamente o pescoço endureceu e voltei a chorar convulsivamente sem qualquer motivo. Um zunido forte tomou conta de todo o ambiente e me senti caindo dentro de um buraco. Então perdi a consciência. Não sei por quanto tempo fiquei nessa condição, mas quando despertei estava com metade do corpo deitado sobre o banco carona, sem sair do espaço do motorista. Ao me levantar percebi que metade do meu rosto estava sem os movimentos, sem sensibilidade nenhuma, como se eu tivesse anestesiado para um tratamento dentário. Percebi que a perna e o braço do mesmo lado também estavam na mesma situação. Aos poucos fui recuperando os movimentos e me lembrando dos últimos momentos que procurava parar o carro. Aquilo parecia um sonho.
Ao analisar o ocorrido fui informado que tive um pequeno acidente vascular. Esse AVC me trouxe com clareza a fragilidade da vida humana. Pense que por uma fração de segundos poderia ter esquecido completamente da minha mãe, do meu irmão, da minha filha, da minha mulher, dos meus princípios, das histórias que vivi, das orações que fiz, das lógicas que compreendi, das experiências que tive em vida e de todos os conflitos que perturbavam minha alma humana. Tudo poderia se perder em um piscar de olhos. Percebi, depois de algum tempo que havia esquecido completamente dos acontecimentos em um dia da semana, que com exercícios racionais consegui remontar em minha memória.
Toda e qualquer pessoa pode passar por um problema como esse, independentemente de qual seja o motivo que venha a lesionar o cérebro. Trata-se da condição humana de vida. Porém, dificilmente quando isso ocorre é possível recuperar a consciência e poder dividir a experiência. Somos muito frágeis e não precisamos necessariamente morrer para dar fim na ideia de vida. Somos poderosos em estabelecer frequências emotivas com maior ou menor intensidade e a tendência é repetirmos sistematicamente a predominância de determinados sentimentos, sejam os mais felizes ou os que nos deixam tristes, causando as depressões e euforias. Depois de poder compartilhar uma experiência como essa cabe se perguntar como você gostaria de se sentir a maior parte de seu dia? Essa decisão depende somente de você, independentemente dos fatores esternos dos quais não temos controle e simplesmente reagimos. Se você passa um dia alegre e isso se repete por muitas vezes, você se acostuma a se sentir alegre e sentirá alegria com mais facilidade. Certamente buscará com mais ênfase fazer coisas que te deixam alegre, reagirá diante da tristeza como algo anormal, que não faz parte do cotidiano, mas de um sentimento esporádico que surge diante das coisas da vida que não podemos evitar. A grande questão é que a regra vale para todo sentimento ou estado de espírito. Nesse exemplo pensamos em alegria, porém a lógica humana também se mostra eficaz se falarmos de tristeza.