segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Dona Inês sobrevive à cirurgia e apresenta diagnóstico de cura


Charles Scholl

Na sexta-feira, dia 14 de setembro, pela manhã, nos reunimos com a equipe médica para a primeira revisão depois de ter ido para casa. Ela passara dias internada no sexto andar do Hospital São Lucas, da Puc, em Porto Alegre, para se recuperar daquela enorme cirurgia em seu abdômen. Após longa caminhada estávamos tensos em relação à continuidade do tratamento, quando o Dr. Ricardo Breigeiron esboçou uma expressão diferente. Ele se tornou uma pessoa muito especial para nós. Todas nossas expectativas partiam de suas posições, de suas palavras, de seu entendimento e de sua estratégia para vencer o câncer que diagnosticamos nela este ano. Todos os outros médicos que a viam se reportavam a ele. De imediato senti um pavor por não ter entendido aquela expressão. Queria saber da continuidade do tratamento e dava para ver nos olhos do Dr. Ricardo que o tratamento tinha chegado ao fim. Todas as possibilidades passaram em minha cabeça, em fração de segundos, menos aquela que seria verdadeira. Realmente o tratamento terminou, disse ele. Completou informando o resultado da biopsia que apontava a ausência do câncer. Naquele momento podíamos dizer que “a Dona Inês está curada.”

Sem saber como reagir, por não acreditar naquela notícia inesperada, nos olhamos e vi a Dona Inês inerte. Eu a trato com toda a formalidade e respeito pela sua história de vida, que nos orgulha tanto. Em seguida vi naquela mulher minha mãe, seus olhos marejados com uma expressão mista de espanto e encanto. Seus lábios começaram a tremer lentamente e sua boca esboçava uma expressão que lembrava um sorriso, mas que acontecia naquele momento de lágrimas. Um choro alegre que não resisti e compartilhei. Sem qualquer constrangimento por estar reagindo daquela maneira diante de pessoas tão importantes para nós. Quando olhei para frente percebi que a vitória da vida emociona até mesmo os profissionais mais experientes. Devemos a vida para eles. É isso que passou na minha cabeça naquele momento. Afinal de contas, minha mãe foi a única sobrevivente da nossa família, que tem esse problema genético que se manifesta em determinado momento da vida.

Esse momento mágico que jamais será esquecido por nós, marca um novo aniversário para Dona Inês. Ainda fragilizada pela violência que a intervenção cirúrgica representou ao seu organismo, vive um momento de recuperação, que é bem diferente de viver doente. Essa recuperação pode durar meses, mas é uma recuperação e não uma doença e isso muda tudo. Mas, algumas mudanças são mais aparentes por ficarem na vitrine social dos nossos hábitos cotidianos. Quando nos lembramos da Dona Inês, sem medo de errar podemos compor nessa imagem mental brincos grandes e coloridos, cabelos louros, calças, uma blusa leve e um perfume que marca o ambiente. Junto com os adereços e acessórios que enfeitam seus dedos, pescoço, orelhas, tornozelos e pulsos, está o cigarro aceso em sua mão. Justamente essa cena é que vai mudar em nossa cidade. Além da cura do câncer, a Dona Inês está no caminho da cura do vício do tabagismo. Esse é um vício como qualquer outro, que precisa ser tratado como um problema de saúde, já que o tabagismo por si é uma doença.

Estamos todos confiantes nessa cura também e me sinto muito tranquilo em falar do assunto, já que faz um ano que parei de fumar. Dona Inês encontrou forças para superar tudo isso. Sou testemunha de como foi difícil trilhar esse caminho. Lembrava o tempo todo de Fernando Pessoa. “Temos que construir o barco navegando”. Ao tempo que se recuperava da cirurgia, que lhe custou uma fenda que cruzava verticalmente todo seu abdômen, vivia o período de desintoxicação do cigarro que fumara a vida toda. Naquele estado, tossir não é uma tarefa fácil. Depois toda nossa preocupação passava em torno da possibilidade do desenvolvimento de uma pneumonia. Eu tive três pneumonias que se sucederam no período imediato que deixei o hábito de fumar. Sabia que isso poderia acontecer com ela. Toda a secreção, que não é pouca, se acumula nas paredes do pulmão e o organismo não tem tempo de absorver essa função biológica. Tal situação cria um ambiente propício para o desenvolvimento de processos virais e bacterianos. Com o organismo fragilizado tudo fica conspirando pra coisa dar errado. Mas toda a sorte do mundo fez com que ela tivesse uma reação diferente da minha. Ao invés de jogar para dentro do pulmão, aos poucos a secreção se acumulou no estômago e como seu intestino estava praticamente parado acabou vomitando. Tal situação aconteceu por três vezes. Logo depois a sensação do mais absoluto alívio e desintoxicação.

Daqui para frente temos como prioridade falar com as pessoas sobre tudo que aprendemos com essa experiência. De garantir as condições para a Dona Inês percorrer o caminho da recuperação de sua saúde. Todos estamos torcendo para que o tabagismo não retorne ao seu cotidiano, já que queremos ela por todo tempo possível em nosso cotidiano. Eu e meu irmão agradecemos a todos que nos ajudaram, em especial ao Dr. Ricardo Breigeiron, à Dra. Laura Aita e a Dra. Carla Bochi. Ao Dr. Rafael que cuidou do período pré-operatório e ao outro Dr. Rafael que cuidou do pós-operatório. Ao Dr. Guilherme, que carinhosamente chamava de amigo imaginário pela coincidência dele aparecer sempre quando tinha da sair do quarto. Depois de uma semana de coincidências suspeitei que o tal doutor não existia e passei a chama-lo de amigo imaginário. Às vésperas da saída do Hospital, a Dona Inês me apresentou a ele dizendo que esse era seu amigo imaginário. Eu que, por um momento, suspeitei da existência desse médico misterioso que aparecia e desaparecia como um toque de mágica.

Um agradecimento a todos que nos ajudaram, a todos que se envolveram, a todos que torceram e, falo também, àqueles que torceram contra, já que ao vencer essa etapa percebemos que somos muito fortes. Registro para que todas as forças do universo conspirem pela justiça e pelo equilíbrio. Desejo que retorne para cada um o dobro da intensidade do sentimento a nós dispensado. Outra edição tinha escrito um pouco sobre a vida desta mulher e alguns leitores de minha confiança, antes mesmo da publicação, me alertaram sobre a agressividade daquelas palavras. Respondi dizendo que aquelas palavras retratavam a agressividade que aquelas pessoas nos ofertavam naquele momento difícil que estávamos vivendo. Esse momento passou e olhamos para frente com hábitos mais saudáveis preservando, acima de tudo, a vontade de viver.