domingo, 10 de fevereiro de 2013

Sobre as escolhas políticas e o uso da técnica para encobrir, com uma cortina de fumaça nossas desumanidades.....


Este texto escrito por Marcos Rolim eu quero copiar para o meu blog pessoal. Depois que minha se curou do câncer essa é a primeira postagem pessoal que faço. A profundidade desta mensagem justifica tudo, para além das superficialidades partidárias me uno ao apelo por uma reflexão dobre nossa civilização.




A ESCOLHA     
Marcos Rolim

Antes da última guerra mundial, Paul Valèry disse que a desumanidade teria um grande futuro. É possível que a frase siga sendo verdadeira. A tragédia de Santa Maria nos induz a pensar sobre o futuro; cabe a nós escolher se em termos de humanidade ou desumanidade. Há nas tragédias uma substância que nunca será dita. É impossível representar o horror porque a dor é, ao mesmo tempo, o mais radical e o mais inacessível dos sentimentos. Nos chocamos e nos enlutamos de várias formas, enquanto a indignação e o espanto cresciam. Mas é preciso lembrar – em respeito aos familiares das vítimas - que a dor que sentimos diante da dor do outro é outra dor.  Na medida em que nos identificamos com os que sofrem, experimentamos o absurdo de forma irreal, como em um pesadelo, bastando nos imaginar dentro do horror. O desespero, entretanto, é mais que o absurdo. Ele é o torpor diante do sem-sentido, a impossibilidade da palavra e a pergunta que nunca terá resposta: porque com meu filho? O que ocorreu em Santa Maria nos diz respeito pela proximidade, antes de tudo, cuja tradução é a certeza de que nossos filhos poderiam estar lá.  Talvez por isso, se a tragédia ocorresse em um asilo ou em creche da periferia, o impacto na opinião pública tenderia a ser menor. Se fosse na Fase ou em uma prisão, muito menor; o que se pode compreender, mas não aceitar. Em 2000, estive em Uruguaiana, na creche “Casinha da Emília”, onde um incêndio matou 12 crianças. Nas sete creches públicas da cidade só encontrei extintor em uma delas. No Presídio Regional de Santa Maria e na antiga FEBEM na capital, estive nas celas onde internos morreram intoxicados pela fumaça de colchões queimados. Nenhuma das recomendações feitas à época surtiram efeito.

Embora o mercado ofereça a opção de colchões não inflamáveis, adquirimos os outros, porque são mais baratos e ainda empregamos naquelas instituições trancas que, em caso de incêndio, dificilmente poderão ser abertas. A diminuição destes riscos é uma exigência técnica ou política? A resposta dos burocratas sempre irá se ancorar em “razões técnicas”, exatamente para que a razão política – em geral a inação – não seja identificada. Prevenir incêndios é uma tarefa política por excelência – no sentido de que exige a vontade de fazer e de tornar a tarefa prioritária - que se realiza na seleção de alternativas técnicas adequadas.


Em outro contexto, Adorno afirmou que “qualquer debate sobre metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita”. Tomo de empréstimo a passagem para sustentar que todo debate sobre o horror que não esteja submetido à meta de evitar sua repetição carece de significado. Depois do horror em Santa Maria, a política não poderá ser a mesma; pelo menos não no RS. Será preciso que sociedade e Estado construam compromissos verdadeiros de prevenção e que o tema do “cuidado com as pessoas” deixe de ser um slogan. As lições mais radicais do horror implicam em mudanças civilizatórias ou serão nada. A escolha, mais uma vez, será política, não técnica.