Este texto escrito por Marcos Rolim eu quero copiar para o
meu blog pessoal. Depois que minha se curou do câncer essa é a primeira
postagem pessoal que faço. A profundidade desta mensagem justifica tudo, para
além das superficialidades partidárias me uno ao apelo por uma reflexão dobre
nossa civilização.
Fonte: www.rolim.com.br
A ESCOLHA
Marcos Rolim
Antes da última guerra mundial, Paul Valèry disse que a
desumanidade teria um grande futuro. É possível que a frase siga sendo
verdadeira. A tragédia de Santa Maria nos induz a pensar sobre o futuro; cabe a
nós escolher se em termos de humanidade ou desumanidade. Há nas tragédias uma
substância que nunca será dita. É impossível representar o horror porque a dor
é, ao mesmo tempo, o mais radical e o mais inacessível dos sentimentos. Nos
chocamos e nos enlutamos de várias formas, enquanto a indignação e o espanto
cresciam. Mas é preciso lembrar – em respeito aos familiares das vítimas - que
a dor que sentimos diante da dor do outro é outra dor. Na medida em que nos identificamos com os que
sofrem, experimentamos o absurdo de forma irreal, como em um pesadelo, bastando
nos imaginar dentro do horror. O desespero, entretanto, é mais que o absurdo.
Ele é o torpor diante do sem-sentido, a impossibilidade da palavra e a pergunta
que nunca terá resposta: porque com meu filho? O que ocorreu em Santa Maria nos
diz respeito pela proximidade, antes de tudo, cuja tradução é a certeza de que
nossos filhos poderiam estar lá. Talvez
por isso, se a tragédia ocorresse em um asilo ou em creche da periferia, o
impacto na opinião pública tenderia a ser menor. Se fosse na Fase ou em uma
prisão, muito menor; o que se pode compreender, mas não aceitar. Em 2000,
estive em Uruguaiana, na creche “Casinha da Emília”, onde um incêndio matou 12
crianças. Nas sete creches públicas da cidade só encontrei extintor em uma
delas. No Presídio Regional de Santa Maria e na antiga FEBEM na capital, estive
nas celas onde internos morreram intoxicados pela fumaça de colchões queimados.
Nenhuma das recomendações feitas à época surtiram efeito.
Embora o mercado ofereça a opção de colchões não
inflamáveis, adquirimos os outros, porque são mais baratos e ainda empregamos
naquelas instituições trancas que, em caso de incêndio, dificilmente poderão
ser abertas. A diminuição destes riscos é uma exigência técnica ou política? A
resposta dos burocratas sempre irá se ancorar em “razões técnicas”, exatamente
para que a razão política – em geral a inação – não seja identificada. Prevenir
incêndios é uma tarefa política por excelência – no sentido de que exige a
vontade de fazer e de tornar a tarefa prioritária - que se realiza na seleção
de alternativas técnicas adequadas.
Em outro contexto, Adorno afirmou que “qualquer debate sobre
metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que
Auschwitz não se repita”. Tomo de empréstimo a passagem para sustentar que todo
debate sobre o horror que não esteja submetido à meta de evitar sua repetição
carece de significado. Depois do horror em Santa Maria, a política não poderá
ser a mesma; pelo menos não no RS. Será preciso que sociedade e Estado
construam compromissos verdadeiros de prevenção e que o tema do “cuidado com as
pessoas” deixe de ser um slogan. As lições mais radicais do horror implicam em
mudanças civilizatórias ou serão nada. A escolha, mais uma vez, será política,
não técnica.