segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A QUEM INTERESSA COMBATER OS DIREITOS HUMANOS?


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA A DISTÂNCIA
DISCIPLINA: OFICINA DE ENSINO DE FILOSOFIA
PROF: PEDRO LEITE







A QUEM INTERESSA COMBATER OS DIREITOS HUMANOS?
UMA BREVE ANÁLISE SOBRE OS DISCURSOS NAS ELEIÇÕES DE 2018 NO BRASIL






CHARLES SCHOLL CARVALHO
UAB – 04
MATRÍCULA 17201734
contatoesparta@gmail.com





INTRODUÇÃO

O Brasil realizou suas eleições ordinárias federais em 2018, para os cargos no Poder Executivo de presidente da república, vice-presidente da república e governadores dos estados. No Poder Legislativo foram escolhidos pelos brasileiros os senadores, deputados federais e deputados estaduais. As políticas públicas de Estado adotadas nas últimas décadas produziram mudanças históricas na distribuição de renda e avanços no cumprimento das garantias constitucionais dos brasileiros, ao qualificar o acesso à saúde, educação e assistência social. Tais políticas públicas viraram objeto da disputa eleitoral entre os setores políticos que defendiam a ampliação do estado de direito e os que defendiam o estado-mínimo, flexibilização de direitos e a redução de programas sociais.
Em meio a disputa eleitoral, o debate político entre os candidatos relativizou um conjunto histórico de direitos adquiridos pelos brasileiros trabalhadores em dois séculos de conquistas, tais como os direitos trabalhistas conquistados na era Vargas[1]. Além do ataque aos direitos trabalhistas, os Direitos Humanos viraram alvo principal de um dos candidatos que representa um campo conservador.
O candidato que ameaçava a democracia prometendo uma intervenção militar, que compôs com um vice-presidente que é general do Exército, defendia o fim dos direitos humanos e o fim de garantias trabalhistas, galgou a vitória eleitoral no Brasil. A relativização dos direitos perece nos apontar uma certa anomia e uma crise institucional brasileira, que tem chamado a atenção do mundo, com prisões políticas, assassinato e uma deturpação completa da ideia de Direitos Humanos. Em meio a esse cenário, este artigo busca abordar as origens dos Direitos Humanos com o objetivo de enfrentar a aparente anomia brasileira revelada neste processo eleitoral e possíveis motivações das campanhas em realizar os ataques aos direitos.

ELEIÇÕES E ESTADO DE EXCEÇÃO
   As campanhas eleitorais de 2018 tiveram início no dia 18 de agosto. O objeto que analisamos neste artigo irá se debruçar sobre a eleição majoritária ao Governo Federal, principalmente nos desdobramentos do segundo turno. No entanto, as eleições de 2018 foram atípicas por serem as primeiras eleições realizadas no Brasil após o Congresso Nacional ter destituído a Presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores por um suposto crime administrativo popularmente conhecido como  pedaladas fiscais. Ocorre que a prática da pedalada fiscal é um recurso administrativo corriqueiro e usual na máquina estatal, que consiste em tomar recursos de bancos públicos para saldar o pagamento de programas sociais, tal como o programa Bolsa Família[2] e posteriormente repor. A prática é usual em prefeituras, estados e é utilizada até hoje pelo Governo Federal. Em virtude desta evidente farsa política ocorrida em 2016, assumiu a Presidência da República o vice-presidente Michel Temer, do PMDB. A ação foi protagonizada em meio a uma crise política que tinha como pivô central o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do MDB, que ao ser contrariado por Dilma abriu o processo de Impeachment que a tiraria do poder. Desde então, o Brasil vive em um estado de exceção, que se arrastaria até as eleições de 2018, com a implementação de um programa de gestão do Estado defendido por Aécio Neves, do PSDB, que havia perdido as eleições para Dilma Rousseff. Com isso, o governo de Michel Temer passou a contar com a participação direta do PSDB e seu plano de gestão de Estado.  
O Partido dos Trabalhadores chegou à Presidência da República no Brasil com o 35º Presidente de sua história republicana, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 1º de janeiro, de 2003, sucedendo o Governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Seu governo foi reeleito e criou os mais avançados mecanismos de combate a corrupção já vistos na história brasileira, com o empoderamento da Polícia Federal e do Ministério Público. O presidente Lula governou de 2003 a 2011 e foi sucedido pela Presidenta Dilma Rousseff. No dia 17 de março de 2014, em Curitiba, teve início uma operação anticorrupção liderada pelo juiz Sérgio Moro, denominada de operação Lava Jato. A operação é conhecida como a maior investigação de corrupção da história do Brasil.
O nome da operação deve-se ao uso de um posto de combustíveis para movimentar valores de origem ilícita, investigada na primeira fase da operação, na qual o doleiro Alberto Youssef foi preso. Através de Youssef, constatou-se sua ligação com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, preso preventivamente na segunda fase. Seguindo essa linha de investigação, prendeu-se Nestor Cerveró, um engenheiro químico da Petrobrás, em 2015, que depois delatou outros. Em junho, a operação atingiu grandes empreiteiras brasileiras, como a Andrade Gutierrez e Odebrecht, cujos respectivos presidentes, Otávio Azevedo e Marcelo Odebrecht, foram presos; posteriormente, muitas outras empresas de ramos diversos seriam investigadas. Ao longo de seus desdobramentos, entre outras pessoas relevantes que acabaram sendo presas graças à operação, incluem-se o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), o ex-senador Delcídio do Amaral(PT), o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha(MDB), os ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci(PT) e Guido Mantega, o publicitário João Santana, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu(PT), o empresário Eike Batista e, em abril de 2018, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e o atual governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB).
A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi questionada internacionalmente, por ter sido feita sem provas em meio a um processo com inúmeras dúvidas levantadas por organismos internacionais ligados às Organizações das Nações Unidas. É considerada uma prisão política engendrada pelo juiz Sérgio Moro, que tinha por objetivo retirar Lula das eleições de 2018, sendo que o ex-presidente liderava as pesquisas eleitorais que apontava sua vitória já no primeiro turno. A frase proferida pelos acusadores que afirmavam “não ter provas, mas convicção”, dita em uma apresentação que ficou conhecida como a tese do Power Point, protagonizada pelo Procurador da República, Daltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato, estarreceu juristas de todo o Planeta. Sem Lula, o Partido dos Trabalhadores concorreu com o professor Fernando Haddad em uma aliança com o PC do B, que tinha Manuela D’ávila como vice-presidenta. A decisão do PT foi tomada a poucos dias do processo eleitoral, pois até então mantinha Lula como candidato a Presidência da República, apesar de preso.
Mesmo sem Lula, o Partido dos Trabalhadores chegou ao segundo turno, polarizado com o candidato do Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, que tinha como vice o General do Exército, Hamilton Mourão. Nesta polarização política, Fernando Haddad defendia a retomada das políticas de Estado adotadas pelo ex-presidente Lula, que promoveu o desenvolvimento e o pleno emprego, com um mecanismo que gerava riquezas e enfrentava as históricas disparidades sociais e econômicas presentes no tecido social brasileiro. Assim nos mostra a matéria do Jornal O Globo, do dia 3 de maio, de 2011, com o título: “Governo Lula reduziu pobreza do país em 50,6%, mostra estudo”. Os dados são da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com resultados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que segundo o economista Marcelo Neri, da FGV, com esses números o Brasil superou a meta do milênio.
Por conta do golpe de estado contra Dilma Rousseff e a implementação de um programa antipopular, com restrições de direitos, diminuição da máquina pública, a população passou a perceber os sintomas da crise. A retirada da moeda de circulação, com a economia favorecendo os rentistas em detrimento do capital produtivo, afetou a economia e a produtividade, gerando uma massa de desempregados. A restrição dos programas sociais colocaram novamente o Brasil no mapa internacional da fome, pois um dos méritos do Governo Lula foi ter tirado o país da nefasta lista internacional.
Os detentores do poder atribuíam a crise percebida pela população a uma herança deixada pelos governos do PT, em amplas campanhas publicitárias que defendiam o enxugamento da máquina estatal e o fim dos programas sociais. Além da flexibilização das leis trabalhistas para a retomada do emprego. A campanha de Jair Bolsonaro passou a contar com mecanismos ilegais de distribuição de notícias falsas por redes sociais, com apoio econômico de empresários que nutriam uma neurose de um ataque comunista ao Brasil. No curto período de tempo da campanha eleitoral, os boatos não tinham como ser desmentidos e os veículos de comunicação de massa lavaram as mãos para atender interesses imediatos de seus empreendimentos. As notícias falsas tinham conteúdos absurdos, tal como a distribuição de mamadeiras em formato de pênis nas escolas em um kit gay, que continha também livros que tratariam da educação sexual de crianças. O livro chegou a ser apresentado em rede nacional durante uma entrevista de Jair Bolsonaro, no Jornal Nacional, da Rede Globo. Este fato foi desmentido, mas pesquisas posteriores apontam que 85% das pessoas acreditaram na existência do kit gay.
Uma verdadeira tsunami de mentiras encontrou ressonância com os escândalos de corrupção promovendo no eleitorado uma perda de referências que relativizou princípios muito caros à civilização contemporânea, tal como as campanhas contra os Direitos Humanos. O processo eleitoral legitimou o racismo, a misoginia, a violência sexual contra as mulheres, a homofobia em discursos de ódio que foram comparados a uma onda fascista no Brasil. Esse complexo cenário, completamente poluído pelas relações de interesse dos veículos de comunicação de massa, tornaram, no senso comum, os Direitos Humanos algo terrível que precisava ser combatido. Os professores foram transformados em criminosos formadores de “esquerdopatas” que eram responsáveis pela crise nacional. O juiz Sergio Moro vazou depoimentos de Antônio Palocci contra o PT às vésperas das eleições em versões que não se confirmaram até o momento. Além disso, emergia nesse debate uma proposta fundamentalista denominada Escola Sem Partido, que de fato é a escola do pensamento único sustentada pela ideologia da extrema direita que disputava o poder. Ao final das eleições, Jair Bolsonaro se tornou o novo Presidente da República no Brasil, com 57.797.847 votos, representando 55,13% dos votos válidos; e Fernando Haddad ficou com 47.040.906 votos, representando 44,87% dos votos válidos.
Em meio a esse cenário, ao tomar a distância necessária da crise para tentar compreendê-la, é possível identificar a retomada das prisões políticas no Brasil, além do assassinato de Marielle Franco[3], do PSOL que ocorreu também por motivações políticas no Rio de Janeiro. Tanto Lula, quanto Marielle, guardadas suas proporções, eram ativistas dos Direitos Humanos em seus programas de gestão do Estado. Defendiam o Estado democrático de direito e, especialmente, Marielle era uma mulher, negra, líder de periferias no Rio de Janeiro. Marielle se tornou alvo de Jair Bonsolnaro e de seus seguidores, que em campanha eleitoral chegaram a arrancar e quebrar uma placa em via pública que homenageava a vereadora assassinada impunemente. A tese de Mestrado em Administração, escrita por Marielle, na Universidade Federal Fluminense se intitulava “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: Uma Análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”. Em suas considerações finais Marielle deixa clara a política que defendia:
“Ao final deste trabalho, arrisca-se afirmar que o mais correto, se estivesse em jogo uma alteração qualitativa na política de Estado e de Segurança Pública, seria nominar as UPPs de Unidades de Políticas Públicas, por se tratarem de uma necessária mudança cultural em territórios nos quais a presença do Estado não ocorre na completude.”(Pag.123-Tese de Mestrado – Franco Marielle – Universidade Federal Fluminense).  
Fica bastante evidente a vulnerabilidade do sistema democrático em uma população sem senso crítico, poluída por inverdades e motivada à cultura do esquecimento, que lhe reserva a grande possibilidade de sustentar governos autoritários pelo mais absoluto abandono de sua história. A relativização dos Direitos Humanos presentes nesse processo nos deixa grandes questões: O que são direitos humanos? Como surgiram e de onde vieram?
A HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a história dos direitos humanos inicia com o Rei Persa, Ciro II O Grande, em 539 a.C.. Em 1879, foi descoberto o Cilindro de Ciro, que foi traduzido pela ONU e distribuído para todos os países em 1971. Atualmente o objeto encontra-se exposto em um museu britânico. Antes de Ciro, as populações eram vulneráveis à tirania daquele que vencesse a guerra. Se a pessoa estava no lado certo se dava bem, se estava no lado de quem perdia a batalha virava escravo ou corria risco de ser morto. Porém, quando Ciro tomou a cidade da Babilônia libertou os escravos e permitiu a liberdade religiosa dos povos de seu império, que fora o maior até então conhecido pela humanidade.
As ideias de Ciro II se espalharam pela Índia, Grécia e Roma. Em Roma, foi quando se teve a ideia de que existe uma Lei Natural, que é seguida por todos, mesmo por aqueles que desconheciam os códigos legais. A ideia da lei natural foi debatida ao longo da história da humanidade contra os detentores do poder até que em 1215, o Rei João, da Inglaterra redigiu a “Carta Magna”. A redação desta carta garantia o direito da existência da igreja sem interferências do governo, além de afirmar que todos os cidadãos livres tinham direito de herdarem a propriedade privada e de serem protegidos de impostos excessivos. O documento foi redigido mediante pressão dos súditos do Rei João, após a majestade ter contrariado e violado inúmeros costumes populares. Nesta Carta Magna também encontramos o estabelecimento do princípio de um processo legal que colocava todos em igualdade perante a lei e condenava subornos e a má conduta oficial. Nem mesmo o Rei poderia contrariar a Carta Magna assinada por ele.
 Em 1628 o Parlamento Inglês avançou e instituiu mais um marco histórico do direito, com o objetivo de proteger a população das arbitrariedades dos modelos políticos absolutistas vigentes na época. Nesse ano o Parlamento Inglês redigiu a Petição de Direito, contendo quatro princípios de liberdades civis. O primeiro afirmava que nenhum tributo poderia ser imposto sem o consentimento do Parlamento Inglês. O segundo afirmava que nenhum súdito poderia ser encarcerado sem o motivo demonstrado, quando se reafirmou o princípio do direito de habeas corpus. O terceiro proibia o aquartelamento de soldados nas casas dos cidadãos. E o quarto afirmava que a Lei Marcial não poderia valer em tempos de paz. Os direitos postos na Petição do Parlamento Inglês tinham por objetivo limitar a ação autoritária característica no absolutismo monárquico.
Com a declaração de independência dos Estados Unidos, em 1776, no dia 4 de julho, o Congresso aprovou um documento histórico sob a liderança de Thomaz Jefferson que anunciava que as 13 colônias americanas não faziam mais parte do Império Britânico. O documento ainda enaltecia os direitos individuais e o direito a revolução. Essas ideias se difundiram internacionalmente influenciando também o Continente Europeu. A declaração de independência apontava os contorno da ideia de direito que compreendemos hoje e certamente influenciou o advento da Revolução Francesa. Em 1787 foi formulada, em um verão na Filadélfia, a Constituição dos Estados Unidos. É a mais antiga constituição nacional escrita que está vigente até os dias de hoje. Ela estabelece os principais órgãos de governo e suas jurisdições e os direitos básicos dos cidadãos. Ainda nos Estados Unidos, em 1791, entrou em vigor, no dia 15 de dezembro, a Declaração de Direitos, que é composta pelas 10 primeiras emendas que limitam os poderes do Governo Federal e protege os direitos de todos os cidadãos, residentes e visitantes no território dos Estados Unidos. Neste capítulo da história do direito é possível perceber que a estrutura foi criada para impedir estados autoritários.
No Continente  Europeu, em 1789, mais especificamente na França, foi firmado mais um capítulo da história do direito com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O documento foi redigido pela Assembleia Constituinte Nacional como o primeiro passo para a redação da Constituição da República da França. O fato ocorreu seis semanas após a queda da Bastilha e três semanas depois da abolição do feudalismo. O documento garante direitos de liberdade, a propriedade, a segurança e resistência à opressão. Mesmo na Revolução Francesa os direitos emergem com o objetivo de proteger o povo de ações arbitrárias de seus governos, garantindo um conjunto de direitos que se estendem a todas as pessoas. No entanto, a ideia do direito sempre se mantinha nos limites territoriais do governo que o definia.
Foi em Genebra, em 1864, que essa lógica do direito tomou proporções que envolveram diversos governos, com a pretensão de estabelecer regras universais. A Convenção de Genebra foi adotada por 16 países europeus e vários estados americanos que tinha por objetivo proteger soldados feridos em guerras. Os fundamentos desta convenção foram mantidos em outras convenções futuras especificando a obrigação de ampliar o cuidado, sem discriminação, ao pessoal militar ferido ou doente, mantendo o respeito sobre os transportes de pessoal médico e equipamentos distinguidos pela cruz vermelha com um fundo branco. A iniciativa adotada pelo Conselho de Genebra abria as portas para uma futura convenção capaz de acordar entre as nações de todo o Planeta, um conjunto de direitos que poderiam ser considerados universais.
Porém, o século XX foi marcado pelo totalitarismo. Ainda assim, um jovem advogado indiano chamado Mahatma Gandhi enfrentou a violência desenfreada da humanidade em uma campanha para que todas as pessoas do Planeta tivessem direitos. Alguns países europeus começaram a concordar, mas duas guerras mundiais sepultaram suas ideias. Nunca a proposta dos Direitos Humanos esteve tão próxima da extinção, assim como a própria humanidade. Hitler, em uma das interfaces fascistas experimentadas pela humanidade, exterminou metade da população judaica da Terra em campos de concentração terríveis, com o advento do Holocausto. Nunca o mundo esteve tão desesperado por mudanças, quando diversos países do Planeta criaram a Organização das Nações Unidas (ONU), com o propósito de reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e valor da pessoa humana.
  Em uma Assembleia Geral da ONU, sob a coordenação de Eleonor Roosevelt, viúva de Franklin Roosevelt, que sempre foi uma defensora dos direitos humanos, conseguiu organizar as forças necessárias para sistematizar em 30 artigos um documento semelhante a Carta Magna, com caráter internacional que serviria a toda a humanidade. O documento foi adotado no dia 10 de dezembro de 1948 e denominado Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pela primeira vez na história da humanidade um documento reunia, desde o Cilindro de Ciro II, uma compilação de direitos universais que foram pactuados pela Organização das Nações Unidas. Esse documento é a principal referência para as constituições de diversas nações do Mundo. O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil é fortemente influenciado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.  
No entanto, essa formalidade toda não impede que pessoas continuem morrendo de fome, que tenhamos governos autoritários, que tenhamos regimes escravos, discriminação racial, xenofobia, posturas políticas que promovem verdadeiros genocídios nas populações humanas. Sabemos das motivações da humanidade, ao longo de sua história, de esculpir o que conhecemos hoje como os Direitos Humanos. Podemos deduzir as intenções de quem se sente diminuído ao ter que respeitar a humanidade, seus direitos e compreende essa plataforma ética positivada como um entrave em seus planos. Podemos compreender que governos autoritários, que promovem a escravidão, a injustiça social, a destruição do meio ambiente, a desvalorização étnico racial, que promove o machismo subordinando as mulheres a salários inferiores na mesma função de homens, com jornadas de trabalho dobradas, sem o devido reconhecimento de seus direitos na hora da aposentadoria. Da mãe progenitora que fica com o encargo de cuidar de seus filhos ao tempo que o homem se desprende do núcleo familiar e nada contribui gerando pobreza, sofrimento e injustiças. Governos que assim podem identificar os Direitos Humanos como um entrave aos seus planos.
BRASIL, DIREITOS HUMAOS E O MUNDO
A comunidade internacional demonstra grande preocupação com a onda fascista que assola a sociedade brasileira. A legitimação das violações dos direitos humanos tomadas como plataforma de campanha de Jair Bolsonaro provocaram reações em Genebra. No dia 29 de agosto, do corrente ano, o alto comissário da Organização das Nações Unidas, Zeid Al Hussein, em uma entrevista coletiva divulgada pelo Jornal Estado de São Paulo, qualifica o discurso de Bolsonaro como perigoso. No curto prazo para minorias e no médio e longo prazos para o Brasil como um todo. As políticas econômicas adotadas no período pós golpe de 2016 já afetam a população como um todo, promovendo a concentração de renda, que torna ainda mais ricos uma pequena parcela da população ao tempo que emerge um amplo contingente de miseráveis, desempregados e desassistidos.
A realidade brasileira é motivo de preocupação por defensores da democracia e dos direitos humanos de todo o Planeta. Nos dias 17 e 18 de novembro, do corrente ano, em Buenos Aires, na Argentina, aconteceu a reunião do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, em que um de seus temas centrais foi a realidade brasileira. Nos dias 19 a 23 de novembro, seguiu-se em Buenos Aires a 8ª Conferência Latino-americana e Caribenha de Ciências Sociais com o tema: “As lutas pela igualdade, pela justiça social e pela democracia em um mundo turbulento”. Nesse período foi realizado o Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico, em uma reação a onda conservadora que assola o Planeta. O Brasil foi um dos principais protagonistas deste encontro internacional, que contou com a ex-presidenta Dilma Rousseff, Manuela D’ávila e Guilherme Boulos, que foi candidato a presidência da república pelo PSOL, nos principais painéis para falar para uma plateia de cerca de 50 mil pessoas de todo o mundo.
Eu participei das atividades em Buenos Aires e as faixas de recepção do evento traziam palavras de ordem como: “Lula Livre” e “Marielle Vive”. Lá eu presenciei o esforço desta comunidade internacional de acadêmicos ligados às ciências sociais em desenvolver mecanismos e estruturas que possam frear o avanço dos governo autoritários, que disseminam o ódio e buscam edificar um clima de guerra no Planeta. Diante da passividade e da legitimidade dada pela sociedade brasileira ao governo fascista que se apresenta, nos faz crer que os espaços educativos sejam as últimas fronteiras da civilidade.
No entanto, os horizontes nos mostram caminhos turbulentos e imprevisíveis. Confirmando as teses do golpe de estado, o juiz Sergio Mouro, que prendeu Lula, será o Ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Tudo indica que o procurador da Lava Jato, Daltan Dallagnol, também deve integrar seu governo. Um corpo reconhecidamente corrupto incorporou o primeiro escalão e trabalhará ao lado de Sérgio Mouro sem nenhum questionamento. Além dos corruptos, o governo também contará com um grupo de generais militares que foram colocados na articulação política com o congresso. O chefe da Casa Civil, Onix Lorenzone é réu confesso em esquemas de corrupção e a cada dia fica mais evidente que Jair Bolsonaro é a sucessão de Michel Temer, que também deve permanecer em seu governo, assim como o MDB. Os planos desta gestão estão focados na entrega do petróleo e das riquezas naturais do Brasil, além de subjugar o desenvolvimento do povo brasileiro aos interesses orientados pelos Estados Unidos, que outrora foram frustrados com a queda da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que está sendo reeditada por dentro do próprio governo brasileiro. Ao concluir este artigo, a notícia corrente nos veículos de comunicação é a flagrante subserviência de Bolsonaro ao Governo de Donald Tramp, para quem o presidente brasileiro presta continências.
Em sua palestra no Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos fez referência a falta de autocrítica por parte dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores no Brasil. Em um esforço para atender a provocação do sociólogo, talvez seja importante relembrar que se não produzimos uma educação libertadora, pouco importa a melhora nas condições sociais e econômicas. Pois quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é um dia ser opressor. Penso nisso a todo momento quando vejo meus colegas de aula, que estão tendo a oportunidade de fazer um curso superior na Universidade Federal de Pelotas, no Polo UAB 04, por conta das políticas implementadas por Lula, que revolucionou o acesso ao ensino superior no Brasil. No entanto, preferem acreditar que o melhor é o estado-mínimo e os cortes dos investimentos sociais, sem compreender que esse corte lhe custará seu próprio curso. Se isso ocorre na minha sala de aula, podemos deduzir como o relativismo generalizado, a falta de senso crítico abalou a estrutura cultural da sociedade brasileira.
No entanto, um dos palestrantes do Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico, ex-presidente da Colômbia, Ernesto Samper, ao trazer essa desconfortável realidade, lembrou a todos que “o período mais escuro de uma noite acontece uma hora antes do amanhecer”. É uma mensagem de esperança que remonta a luta e o exemplo de Mahatma Gandhi e sua importância histórica para que a ideia dos Direitos Humanos pudesse resistir a duas guerras mundiais e se consolidar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um exemplo de resistência que deve servir aos brasileiros que tendem a enfrentar um período político de autoritarismo, de segregação econômica e social.     





Referências bibliográficas
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SANTOS Boaventura de Souza, A Difícil Democracia: Reinventar as Esquerdas, Boitempo, Coimbra, 2016.
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FRANCO Marielle, UPP – A redução da favela a três letras: Uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, 2014.
VARGAS, Getúlio, A Política Trabalhista do Brasil, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1949.
O PPROCESSO. Direção: Maria Ramos. Documentário. Brasil, 2018.
LESBAUPIN Ivo. Portal IHU. Do “impeachment” de Dilma à prisão de Lula: o golpe continua. Instituto Humanitas Unisinos, Revista IHU On-Line, abril, 2018. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/578937-do-impeachment-de-dilma-a-prisao-de-lula-o-golpe-continua-em-edicao>. Acesso em novembro. 2018.
WEISSHEIMER Marco. Portal Sul 21. Golpe, estado de exceção e repressão nas ruas: a democracia brasileira em 2016. dezembro, 2016. Disponível em: < https://www.sul21.com.br/areazero/2016/12/golpe-estado-de-excecao-e-repressao-nas-ruas-a-democracia-brasileira-em-2016/>. Acesso em novembro. 2018.
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Portal G1. Desigualdade de renda para de cair no Brasil após 15 anos, e número de pobres cresce, aponta ONG. Novembro, 2018. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/11/26/desigualdade-de-renda-para-de-cair-no-brasil-apos-15-anos-e-numero-de-pobres-cresce-aponta-ong.ghtml>. Acesso em novembro. 2018.
Portal estadão: Discurso contra direitos humanos de Bolsonaro é “perigoso”, diz alto comissário da ONU. 29 agosto, 2018. Disponível em: < https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,discurso-contra-direitos-humanos-de-bolsonaro-e-perigoso-diz-representante-da-onu,70002478093>. Acesso em novembro. 2018.



[1] Em 1943, editou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), um conjunto de normas criadas desde os anos 30 para proteger o trabalhador. 
Getúlio fez uma comissão para estudar a legislação trabalhista e compilar aquelas regras num único texto de lei. 
As leis criadas no governo de Getúlio Vargas determinaram: 
- criação do salário mínimo e da carteira de trabalho;
- jornada diária de 8 h; 
- direito a férias anuais remuneradas; 
- descanso semanal e direito à previdência social;
- regulamentação do trabalho do menor e da mulher. 
[2] O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda do Governo Federal, sob condicionalidades, instituído no Governo Lula pela Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003[1], convertida em lei em 9 de janeiro de 2004, pela Lei Federal n. 10.836,[2] que unificou e ampliou diversos programas anteriores de transferência de renda.
[3] O assassinato de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, foi um crime executado no dia 14 de março de 2018, no Estácio, região central da cidade. Os criminosos estavam em um carro que emparelhou com o da vereadora e efetuaram vários disparos, que também mataram o motorista. Embora em fase inicial, a investigação conduzida pelas autoridades aponta para motivações políticas.