Por Charles Scholl
O Fórum Social Mundial Região Metropolitana 2010 propiciou várias oportunidades de debate sobre as possibilidades e idéias para a construção de um outro mundo possível. Neste entrevero cultural, o formato organizativo do FSM acaba favorecendo os militantes mais engajados e permite o aprofundamento das discussões temáticas, a atualização de referências teóricas e a oxigenação de novas idéias. Um exemplo de debate que veio à epiderme da consciência coletiva é o da retomada da reflexão reforma ou revolução. O jornalista Gabriel Caparo organizou uma entrevista com o intelectual cubano Roberto Regalado sobre o tema “reforma versus revolução”, e neste trabalho percebe-se que a atualidade da América Latina propicia um momento especial na história da esquerda no mundo.
Apesar de não pertencer a geração de militantes que foram às ganhas pela luta armada, o assunto permeia minha experiência política pelo que vivi na década de 90. Eu divido a experiência desta década em duas fases. A primeira metade na condição de militar, quando era 3º Sargento do Exército e a segunda na condição de militante, quando aprofundei meus estudos sobre os movimentos sociais. Uma das qualificações que adquiri como sargento foi de anti-guerrilha. Naquela década, o Exército compreendia o MST como a única possibilidade de guerrilha no Brasil. Nossos ensaios e treinamentos se davam com figurantes que representavam o MST. Na segunda metade da década iniciei militância no movimento estudantil e acabei participando e trabalhando junto ao MST. Dentro do movimento, em um encontro ocorrido em São Paulo, com representação de todo o Brasil, lideranças do MST discursavam em favor da luta armada diante dos tencionamentos provocados pelo Estado contra os movimentos em prol da reforma agrária no Brasil. Sou testemunha de que tais tencionamentos de fato existiam, inclusive integrei parte da força armada preparada para enfrentar uma situação assim. Foi a primeira vez que me deparei com o debate reforma versus revolução, com real possibilidade de uta armada no Brasil.
As lideranças populares do movimento de base do MST queriam a luta armada. O contraponto foi feito por Leonardo Boff e pelo Frei Beto, representantes de um segmento da Igreja denominado Teologia da Libertação, que defendiam a possibilidade das mudanças sociais pelas vias democráticas. O momento trazia com toda sua clareza o debate, ainda que no campo das idéias, da reforma ou revolução. A luta armada não aconteceu naquele momento porque foi construído um consenso em torno da idéia de continuidade das lutas, institucionalização das mudanças e pelo não derramamento de sangue, ou seja, optou-se em buscar as mudanças pelas vias democráticas e pelo reforço das instituições brasileiras.
No trabalho América latina Hoje: reforma ou revolução, Regalado sustenta que existem três tipos distintos de reformismo. O reformismo reacionário, que mantém no fundamental as políticas econômicas e sociais dos governos de direita; o pós-neoliberal que quer encontrar uma saída do neoliberalismo dentro do próprio sistema capitalista; e um reformismo com intenção e direção estratégica anticapitalista. Com isso, o intelectual cubano diz que a luta é a mesma, porém há uma mudança na terminologia das palavras. Tais mudanças são importantes e decorrentes do conhecimento necessário para travar a luta pela revolução nas condições atuais.
Regalado pavimenta e reforça os argumentos utilizados por Boff e Beto no debate com os maoistas do MST, de que existem, atualmente, reformas que conduzem à revolução. A tradição da esquerda concebe que o objetivo estratégico de fazer a revolução só poderia ser alcançado mediante a tática da luta armada. Essa realidade está se afirmando no mundo todo, em entrevista recente, divulgada por Rebelión, Santiago Alba afirma que as únicas duas regiões do mundo onde se manifesta hoje o atiimperialismo são a América Latina e o Oriente médio. Neste trabalho Alba pondera que no caso do Oriente Médio predomina uma idéia antiimperialista de direita e a América Latina vive um momento histórico em favor da esquerda. Creio que a experiência que vivemos no Brasil é singular no Planeta e que o futuro do PT influenciará muito o futuro da esquerda no mundo. Ou seja, nossa atividade militante pode influenciar ou até mesmo definir em favor do caminho a ser trilhado para a construção de um outro mundo possível.
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