A relação da espécie humana com a
natureza é algo intrigante e absurdamente distinta. As sociedades urbanas
massificaram modelos de pensamento acerca deste tema sobre todos os
continentes. Mas existem traços arqueológicos do pensamento humano que escapam
dessa filosofia de vida amorfa e solitária, que nos imprime o cotidiano urbano.
A ideia de tempo, de sobrevivência, e de relação com o mundo e com as pessoas
pode nos parecer iguais, em qualquer parte do mundo. Penso que isso é um
sintoma de uma sociedade global. Uma civilização globalmente doente que está
matando o mundo, as culturas locais e a alma humana. E esse sintoma se tornou
claro diante da pesquisa científica que resultou no documentário “Amazônia
desconhecida”, dirigido Daniel Augusto e Eduardo Jabally.
O filme é rico em reflexão,
questionamento e apresentação de conceitos diversos sobre civilização, humanidade,
relações sociais e, principalmente, a relação da nossa cultura urbana com a
natureza. Sem seguir o roteiro do documentário, penso em expor algumas questões
que considero importantes pela sua natureza fundamental à compreensão da vida,
dos sentidos que nos movem e a forma como nos relacionamos consigo mesmo, com
nossas comunidades e com a mundo que vivemos.
Uma das informações curiosas
apresentadas por antropólogos é que a civilização amazônica data de mais de 11
mil anos. Há cerca de oito mil anos a Amazônia acumulava uma população de cinco
milhões de pessoas. Essa civilização é a grande responsável pela riqueza do
solo, pela domesticação de plantas e de uma relação harmônica com a floresta.
Com a chegada da civilização europeia ao continente, o impacto sobre essa
população amazônica foi absurdamente trágico, principalmente pela dificuldade
biológica de reação sobre doenças trazidas pelos europeus.
Poder visitar realidades
anteriores a esse período de morte, falência e descontinuidade é algo fascinante.
Se pensarmos que as cidades que criamos nos deixam só, ao tempo que esse
comportamento é absolutamente estranho para um ianomâmi. Eles dizem que o homem
branco não pensa e perde a vida com superficialidades. Que o homem branco não
ama a natureza e nem a humanidade, o que explica a solidão em meio a multidões.
As coisas ficam ainda mais
complexas diante das políticas de governo adotadas durante o Regime Militar,
que tinham por objetivo integrar a Amazônia ao Brasil. A intenção é ótima, mas
isso na prática promoveu inúmeros conflitos sociais muito bem tratados pelo
documentário. O choque entre fazendeiros e integrantes do MST, os garimpeiros,
a grilagem, o governo e os heróis do INCRA tornam esse enredo esclarecedor. É
por ele que podemos ver outras interfaces da natureza do Golpe que o Brasil
vive hoje. A força da bancada ruralista e as posturas deteriorantes do Estado-Nacional
adotadas por Temer em prol de interesses particulares. O próprio documentário é
resultado de uma política nacional que fora abruptamente interrompida pelo
Golpe de 2016.
A última frase do filme é
marcante e instigante: “O silencio dos espaços infinitos ainda vai no fazer
calar a boca”. Assista ao filme Amazônia desconhecida e terá uma aula da
realidade brasileira.