terça-feira, 19 de maio de 2020

A justiça como principal virtude, com John Rawls


Charles Scholl
As crises civilizatórias vividas pela humanidade no século XX, marcadas pelo signo do totalitarismo, produziram experiências traumáticas decorrentes de ataques com armas atômicas e duas guerras mundiais. Nesse contexto viveu o professor de Filosofia, da Universidade de Harvard, John Rawls, que contribuiu muito com a ideia de justiça entre os pensadores contemporâneos. Rawls faleceu em 2002, aos 81 anos, e foi autor de cinco grandes obras de filosofia, as quais, neste texto, abordaremos duas delas.  O destaque dado para as obras “Uma Teoria de Justiça” e “Liberalismo Político” são importantes pela determinação do autor em lidar com a política a partir de uma evidente perseguição às virtudes. Nesta trajetória, o filósofo nos deixa uma ressignificação da ideia de justiça, que permeia nossos cotidianos em contribuições que parecem não defasar, pelo contrário, se mantém atuais pela sua coerência com as ideias presentes de realização pessoal, social em uma sociedade multicultural.
Em sua obra “Uma Teoria de Justiça”, publicada em 1971, Rawls faz uma crítica à ética utilitarista ao sustentar os princípios universais, que podem ser positivados, lembrando o posicionamento político dos contratualistas modernos.  Nesse sentido, sugere uma ideia de contrato social, que tem a justiça como principal virtude. A justiça acaba por definir a força de cada instituição, ao legitimar sua autoridade política. Para favorecer a ideia presente em sua filosofia política, Rawls utiliza a analogia de uma “posição original”, que seria um início a partir do todo que se acumulou ao longo dos tempos. Desta forma, o filósofo não se prende as amarras ideológicas, que ao longo do século XX produziam grandes centros gravitacionais capazes raptar as possibilidades da compreensão humana em ideias simples, tal como ocorreu com o fascismo, com o nazismo e outros regimes totalitários, podendo focar prioritariamente a ideia de como poderiam nossas ações serem justas nessa situação hipotética de início da humanidade. Nesse início, os indivíduos decidem entrar em cooperação social.  Em um único ato, os sujeitos devem produzir os princípios de justiça, porém sem saberem onde e quem serão beneficiados. Esse desconhecimento sobre causa e efeito do sujeito sobre a regra, Rawls chama de “véu da ignorância”, que contribuiria com a ideia de uma justiça para todos, sem saber se teriam vantagem ou desvantagem perante as regras. Esse olhar tende a seguir o princípio da equidade, como uma referência clara de ação justa. A partir desta perspectiva, Rawls defende a justiça como equidade.
Por esse enfoque, Rawls decanta dois princípios básicos. O primeiro é o da liberdade igual, ou da igual liberdade, a qual considera o mais importante mantendo suas tradições liberais. Outro é o da igualdade democrática, que se constitui com o reconhecimento do princípio da diferença e o princípio da oportunidade justa. Ao tempo que a sociedade se debruça em garantir a liberdade máxima para cada indivíduo, tudo deve ser compatível com a liberdade de todos os demais. Com a ideia de justiça no centro das atenções de Rawls, o filósofo identifica as virtudes nas estruturas básicas da sociedade, tal como sua constituição política e seus principais acordos econômicos, pois são esses espaços que precisam, antes de tudo, sustentar a ideia de justiça. São esses mecanismos que distribuem direitos e deveres fundamentais, além de determinar a divisão das vantagens que decorrem da cooperação social. Desse modo, Rawls defende um contratualismo mais qualificado, que tem como referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é a síntese das primeiras virtudes universais positivadas.
Em 1993, John Rawls publicou uma atualização de sua filosofia política na obra “O liberalismo Político”. Neste trabalho, a justiça prevalece como a principal virtude perseguida por Rawls. O filosofo procura evidenciar seu distanciamento das abordagens morais, e justifica que suas contribuições priorizam o que é justo, não o que é moral, ético ou bom. Rawls busca apartar sua obra das demais ao contrastar pela ampla capacidade de produzir entendimentos de consenso entre a pluralidade característica das comunidades globais. É justamente a ideia de multiplicidade cultural, que justifica a necessidade de um “consenso sobreposto”, argumenta Rawls. Tomando a ideia da “esfera pública”, de Jürgen Habermas, o consenso sobreposto seria o resultado da razão pública de uma comunidade. Nesse espaço, é que se busca alcançar um entendimento entre os dissensos que resultam da pluralidade cultural constituidora do tecido social.  
O que torna ainda mais fascinante o trabalho de Rawls é o profundo comprometimento que ele tem com a produção de um consenso entre diversas partes potencialmente divergentes. Ao partir da premissa da pluralidade como algo naturalmente presente na constituição dos tecidos sociais, Rawls consegue territorializar a existência do indivíduo em um ambiente plural, ressignificando seus elos relacionais, quando elabora o “consenso sobreposto”. As relações plurais, só são plurais pelo reconhecimento do conjunto de elementos singulares. A posição de Rawls parece querer desarticular possibilidades de regimes totalitários, que se caracterizam pelo uso do poder de forma injusta, cruel e desumana.

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