Resumo
A ascensão
política da extrema direita no mundo na última década reintroduziu no cotidiano
da política internacional o termo fascismo, que até então ficava restrito a
livros de história ou a acontecimentos pontuais. O Brasil ingressou, em 2018,
no rol de países governados por um líder populista, conservador, que nega os
princípios do conhecimento científico. As posições do Presidente Jair Bolsonaro
foram compartilhadas com o mundo em sua manifestação na Assembleia Geral da
ONU, em 2019, onde declarou uma suposta luta contra o socialismo, que estaria
prestes a se instalar no Brasil. Além da paranoia, seus argumentos se
fundamentam na fé e na revelação divina, descartando a ciência. No discurso, presidente
atribui sua missão de enfrentar o socialismo a um milagre, ocorrido quando
sobreviveu a um atendado em que foi esfaqueado no decorrer de sua campanha
eleitoral. O líder populista e conservador, com perfil autoritário, implementa
uma política de violação dos Direitos Humanos, que obteve coesão eleitoral e
apoio popular a partir da exploração do ressentimento com a política e do afeto
do ódio, em contraponto a onda de cooperação promovida pela ONU, desde o fim da
2ª Guerra Mundial.
Palavras Chaves: Filosofia Política, fascismo,
ódio, cooperação.
Em
2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, o Brasil passou a integrar os países no
mundo que elegeram representantes populistas ligados a extrema direita, que
possuem em sua plataforma de trabalho, proposições que afrontam a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. O documento produzido pela Organização das
Nações Unidas, em 10 de dezembro, de 1948, é o principal referencial de
contrato social das sociedades ocidentais contemporâneas e representa um marco
civilizatório para a humanidade. Foi redigida após a segunda guerra mundial e
serviu de referência para a diversas constituições nacionais, entre elas a do
Brasil.
O
crescimento de partidos com perfis de extrema direita também ocorreu em
diversos países no mundo. Nas Filipinas, desde 2016, com a eleição de Rodrigo
Duterte[1], o
país enfrenta acusações junto ao o Tribunal Internacional[2] de
violações de direitos humanos promovidas por execuções extrajudiciais ligadas
diretamente a política implementada pelo presidente filipino. Em sua carreira
política, Rodrigo Duterte foi prefeito da cidade de Davao por décadas. Em sua
experiência de gestão, Rodrigo foi bem avaliado, apesar de ter sido acusado de
liderar um grupo que promovia execuções extrajudiciais chamado de “esquadrão da
morte”, responsável por cerca de mil assassinatos. Uma campanha política focada
no populismo de direita, com perfil fascista, em que um determinado grupo passa
a agir independentemente dos processos legais e assume o Poder.
A
tendência política anti-humanista e autoritária também pôde ser percebida na
Turquia, onde o presidente Rocep Tayyip Erdogan[3],
eleito em 2014, trocou o sistema político de governo de Parlamentarista para
Presidencialista. Coma ampliação do poder, também se ampliaram as ações
nacionalistas e a marginalização de minorias étnicas, tais como os curdos,
apostando na política do confronto e da violação dos direitos humanos. Na Hungria,
desde 2010, o primeiro ministro Viktor Orbán, que integra o partido conservador
Fidesz[4],
logrou vitória com ampla vantagem eleitoral. Seu sucesso nas urnas legitimou a
adoção de políticas anti-imigração e o aumento da xenofobia. Seu governo também
passou a ser alvo de denúncias de corrupção, de afronta às liberdades civis e de
violar os direitos humanos das minorias. A mudança na composição da Suprema
Corte húngara, que passou de oito integrantes para 15, concedendo ao partido de
Orbán o poder de nomear juízes, tornou ainda mais evidente a denúncia que cai
sobre o governo de desconstituir o processo de independência judicial no País.
Os
posicionamentos nacionalistas e anti-humanistas são construídos em torno do
ideal de segurança e proteção. Esses signos que permeiam as plataformas da
extrema direita deram popularidade às políticas anti-imigração em diversos
países, em todos os continentes, potencializando a ascensão de líderes
populistas ligados a extrema direita. Crises locais, a exemplo do conflito na
Síria[5], contribuíram,
na última década, para o fechamento de fronteiras, ampliando a pressão sobre diversos
países e criando uma das maiores crises humanitárias[6], segundo
a Organização das Nações Unidas.
A
ascensão de partidos de direita, com perfil populista e nacionalista afetou a
política de diversos países, a exemplo da Polônia, Áustria, Suíça, Dinamarca,
Noruega, Espanha, França e Inglaterra. Com o aumento das políticas
nacionalistas, emergiram também os discursos contra a união europeia,
redesenhando os blocos econômicos internacionais. O Reino Unido pautou sua
política em torno do tema e favoreceu a vitória eleitoral, em 2019, de Boris
Johnson, líder do Partido Conservador, que defendeu a proposta de ruptura do
Reino Unido com o bloco europeu. Ainda na comunidade europeia, o partido
conservador de direita Lei e Justiça (PiS), da Polônia, governa o país com ampla
maioria no Parlamento e é conhecido, entre especialistas, como um partido que
emerge da aliança entre o neonacionalismo e neofascismo.
O
populismo alinhado aos setores conservadores passou a ter outras dimensões
internacionais a partir da eleição de Donald Trump, como Presidente dos Estados
Unidos, em 2016. Uma eleição emblemática, que trouxe novos termos ao
vocabulário político, a exemplo das fake news
e o ataque a imprensa, que se tornam características que permeiam a ação
política dos demais líderes da extrema direita. Trump sustenta o discurso
nacionalista, que reforça a polarização da sociedade com fortes ataques a seus
oponentes, tal como procedeu quando efetivou o pedido de prisão de sua oponente
política Hilary Clinton. Em sua gestão, Donald Trump retoma nos Estados Unidos
a política externa conhecida como America
first[7].
O
avanço das políticas conservadoras e nacionalistas associadas as posturas
autoritárias, legitimam ações violentas dos órgãos de repressão. A violência
policial, a tortura, o assassinato são sistematicamente legitimados na “guerra
contra o inimigo”, tal como ocorreu no período posterior a Segunda Guerra
Mundial, também conhecido como Guerra Fria[8]. No
Brasil, com forte influência de Donald Trump, Bolsonaro organiza seu governo
com a proposta de “destruir tudo”, que tenha sido produzido pelos seus
oponentes políticos, responsáveis em transformar o Brasil em um País “socialista”,
tal como manifestou na Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 24 de
setembro, de 2019.
“Apresento
aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do
socialismo. Um Brasil que está sendo construído a partir dos anseios e dos ideais
de seu povo. No meu governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a
confiança do mundo, diminuir o desemprego, a violência e o risco para os
negócios, por meio da desburocratização, da desregulamentação e em especial,
pelo exemplo. Meu país esteve muito próximo do socialismo o que nos colocou
numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas
de criminalidade e de ataques interruptos aos valores familiares e religiosos
que formam nossas tradições”.
Ainda
em seu discurso, Bolsonaro atacou seus oponentes políticos acusando a gestão do
Partido dos Trabalhadores de produzir trabalho escravo na constituição do
Programa Mais Médicos, desenvolvido em acordo com Cuba. Em sua acusação, faz
questão de salientar que o trabalho escravo era aceito pelas entidades que
representam os direitos humanos no Brasil, estendendo o espectro político da
natureza de seu inimigo para além dos socialistas ao incluir os defensores dos
direitos humanos. O rompimento do acordo com Cuba foi festejado em seu discurso
como uma conquista do Brasil. Também fez ataques à Venezuela afirmando que os
países tinham colaboração secreta na área da defesa nacional para a implantação
de regimes socialistas. Nesse quesito, se disse aliado dos Estados Unidos para
restabelecimento da democracia na Venezuela. Desde então, o presidente brasileiro
tem se manifestado sistematicamente favorável a intervenção dos Estados Unidos
na Venezuela. Logo disparou a frase “não pode haver liberdade política, sem que
haja liberdade econômica”, e defende o livre mercado, privatizações e
concessões no Brasil, em seu governo. Bolsonaro
reclamou da postura da imprensa internacional pela cobertura dos incêndios na
Amazônia, qualificando o setor como imprensa sensacionalista. Para se legitimar
perante as autoridades mundiais, o presidente brasileiro levou a índia Yasani
Kalapalo, acompanhada de uma carta supostamente assinada por pessoas de sua
aldeia, que legitimaria sua participação por uma nova política aos indígenas. Em
seguida, afirmou que não irá ampliar as demarcações indígenas e atacou
lideranças políticas já consolidadas no mundo, afirmando ter dado fim ao
“monopólio do Cacique Raoni Metuktire[9]”. O
presidente brasileiro encerrou seu discurso afirmando que seus adversários
políticos corromperam as universidades brasileiras, as escolas e as empresas
midiáticas do Brasil com sua ideologia. “A ideologia invadiu a própria alma
humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que ele nos revestiu, deixando
um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou”. Depois disse ser a
própria prova de suas afirmações, por ter sobrevivido a um atentado promovido
por um militante de esquerda e que só sobreviveu por um “milagre de Deus”.
Existem
muitos problemas em relação ao discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da
ONU, que apontam para uma postura política defasada e paranoica, quando remonta
a polarização entre socialismo e capitalismo, que perdeu a ênfase com a queda
do muro de Berlin[10] e
o fim da União Soviética. O conjunto de símbolos presentes em sua manifestação,
a exemplo da participação de uma índia para legitimar suas ações predatórias na
Amazônia, estão distantes de qualquer motivação de cooperação entre os povos.
Pelo contrário, criou obstáculos e confusões culturais que se desdobraram em um
genocídio em curso das tribos indígenas, com o avanço do desmatamento ilegal na
Amazônia. Seu pronunciamento acentuou suas posições políticas, que remontam os
preceitos da política fascista, mas com características atualizadas. Os
ressentimentos de forma generalizada, tais como os que ocorreram em decorrência
das guerras mundiais, podem ser enfrentados a partir da cooperação, tal como
defende a Organização das Nações Unidas. No entanto, também podem se
transformar em ódio que alimenta preconceitos como o racismo, a homofobia, a xenofobia,
que são as bases para tecer o fascismo tropical amplamente explorado por
Bolsonaro.
O
fascismo é uma ideologia política de extrema direita ultranacionalista e
autoritária, que ganhou grande destaque na Europa, na primeira metade do século
XX. É uma ideologia contrária ao marxismo, ao liberalismo e ao anarquismo. Defende
o estado autoritário governado por um líder militarizado. Compreende a guerra,
a violência como um meio para rejuvenescer a nação, com políticas que promovem
o melhoramento da espécie e a eugenia. O Nazismo de Hitler na Alemanha e o
Fascismo de Mussolini na Itália, são as experiências mais marcantes do fascismo
nesse período.
Após
duas guerras mundiais, a comunidade internacional criou, a partir da Liga das
Nações[11],
a Organização das Nações Unidas, que é uma organização intergovernamental que
tem por objetivo principal promover a cooperação entre os países. A política de
cooperação se fundamenta em princípios contratualistas[12],
constituindo e influenciando os princípios da ação política, em que a principal
virtude é a cooperação entre os povos para o melhor desenvolvimento humano. A cooperação com elemento de coesão social,
amplamente difundida em tratados internacionais promovidos pela ONU, em que o
Brasil é signatário, passou a influenciar o espectro da política no Brasil. A
Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º afirma os valores de
igualdade e dignidade presentes e positivados na Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Em
uma síntese breve, podemos compreender que a política da cooperação pelo pleno
desenvolvimento dos povos foi a alternativa criada para contrapor o espectro do
fascismo no mundo. Na prática, a política da cooperação prioriza a construção
de pontes, sejam elas tecnológicas, culturais ou físicas que permitem a
comunicação entre povos apartados por algum obstáculo, seja físico ou cultural.
Já o fascismo, na prática, prioriza a construção de muros, de obstáculos que
impeçam algum inimigo externo agir em determinado território. Um inimigo que
precisa ser eliminado para que o bem maior prevaleça. O que permeia e permite a
coesão da atual política fascista em curso no Brasil é o afeto do ódio, que
pode se desdobrar em diversas frentes coesas e dispostas à guerra. Ao julgar as
manifestações do atual presidente e sua predileção ao fascismo, o Brasil tende
a enfrentar períodos de “construção de muros” tecidos com ódio e preconceito
que tendem a agravar as violações de direitos humanos, além do ataque
predatório ao meio ambiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1) ARENDT,
Hannah. O que é Política. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 2002.
2)
BARBOSA, Giovanna Galvani Catarina.
Carta Capital. 5 Países que embarcaram na rota autoritária da extrema-direita
em 2019. 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/mundo/5-paises-que-embarcaram-na-rota-autoritaria-da-extrema-direita-em-2019/>.
Acesso em: 15 de maio. 2020.
3)
BETIM, Felipe e MARREIRO, Flávia. El
Pais. O discurso de Bolsonaro na ONU, analisado e confrontado com dados. 2019.
Disponível em:<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/24/politica/1569340250_255091.html>.
Acesso em: 15 de maio. 2020.
4)
BRAY, Mark. ANTIFA: O Manual
Antifascista. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
5)
HOBBES, Thomas. O Leviatã.
6)
MIGUEL, Luiz Felipe...[et al]. O Ódio
como Política: a reinvenção da direita no Brasil. 1ª Edição. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2018.
7)
ROUSSEAU, Jean Jacques. Contrato social.
Tradução de Pietro Nassetti. 3ª reimpressão. editora Martin Claret. 2010.
8)
SANZ, Juan Carlos. El País. ONU Alerta
para o maior êxodo de civis sírios desde o início da guerra. 2020. Disponível
em:<
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-18/onu-alerta-para-o-maior-exodo-de-civis-sirios-desde-o-inicio-da-guerra.html>.
Acesso em: 15 de maio. 2020.
9)
WELLE, Deutsche. Onde o populismo de direita
está no mundo. 2018. Disponível
em:<https://www.dw.com/pt-br/onde-o-populismo-de-direita-est%C3%A1-no-poder-no-mundo/a-46065697>.
Acesso em: 15 de maio. 2020.
[1]Rodrigo Duterte é um político e
advogado filipino, atual presidente do seu país desde 2016. Em 30 de junho de
2016, ele foi eleito como o 16.º presidente das Filipinas com 16.601.997 votos,
o que corresponde a 39% dos votos válidos pelo partido PDP-Laban.
[2]O Tribunal Internacional de
Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da
Organização das Nações Unidas (ONU).
[3]É o fundador do Partido da
Justiça e Desenvolvimento e liderou-o em três vitórias eleitorais, a saber em
2002, 2007 e 2011 antes de sua vitória nas eleições presidenciais de 2014.
[4]O Fidesz-União Cívica Húngara é
um partido nacional-conservador de direita húngaro. Atualmente, é o maior
partido político da Hungria.
[5]A Guerra Civil Síria é um
conflito interno em andamento na Síria, que começou como uma série de grandes
protestos populares em 26 de janeiro de 2011 e progrediu para uma violenta
revolta armada em 15 de março de 2011, influenciados por outros protestos
simultâneos no mundo árabe.
[6]A Alta Comissária da ONU, Michele
Bachelet, em fevereiro de 2020, faz um esforço diante do fracasso da diplomacia
na Síria, para produzir um corredor humanitário aos civis, sem hostilidades.
Para a construção deste corredor, Michelle evoca o Direitos Internacional
Humanitário e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
[7]America First refere-se a uma
política externa nos Estados Unidos que enfatiza o nacionalismo americano, o
nacionalismo econômico e o unilateralismo, na rejeição de políticas
internacionalistas. É a atual política oficial da administração do presidente
Donald Trump. No seu auge, o America First conseguiu fazer uma marcha de 800
mil pessoas em Chicago em 1940.
[8]Guerra Fria foi um período de
tensão geopolítica entre a União Soviética e os Estados Unidos e seus
respectivos aliados, o Bloco Oriental e o Bloco Ocidental, após a Segunda
Guerra Mundial.
[9]É um líder indígena brasileiro da
etnia caiapó. É conhecido internacionalmente por sua luta pela preservação da
Amazônia e dos povos indígenas.
[10]A queda do Muro de Berlim deu-se
na passagem do dia 9 para o dia 10 de novembro de 1989. Esse acontecimento é
marcante, pois foi o prenúncio da queda da República Democrática Alemã, a
Alemanha Oriental, e da reunificação da Alemanha, separada em duas nações desde
o final da Segunda Guerra Mundial. A queda do muro também foi parte do processo
de queda do bloco comunista na Europa Oriental, que se iniciou a partir do
final da década de 1980.
[11]Foi uma organização
internacional, idealizada em 28 de abril de 1919, em Versalhes, nos subúrbios de
Paris, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para
negociar um acordo de paz.
[12]
O contratualismo é uma
teoria política e filosófica baseada na ideia de que existe uma espécie de
pacto ou contrato social que retira o ser humano de seu estado de natureza e
coloca-o em convivência com outros seres humanos em sociedade.