domingo, 12 de junho de 2011

O pensamento e a força que nos faz insurgir


Charles Scholl
Consultor de Comunicação

Novos ciclos políticos precisam ser compreendidos para que seja conquistado o melhor desenvolvimento possível para nossa comunidade. Esteio deu saltos gigantes em desenvolvimento social, político e econômico nas últimas décadas. Olhar para a história, muitas vezes é o melhor exercício para reafirmar o caminho trilhado. Também pode ser a melhor forma de visualizar a necessidade de mudanças de rumo, na busca da sintonia fina com os princípios que nos orientam nesta caminhada. Na condição de jornalista, cobrindo os assuntos da política em Esteio nos últimos 25 anos junto ao Jornal Eco do Sinos, tive um insite que me fez viajar no tempo, confirmar teses que sustentava, porém que o tempo havia apagado da minha memória cotidiana. Sonhos que ficaram depositados no fundo da alma e que foram sedimentados pelo peso do tempo empurrando as lembranças para as profundezas subterrâneas da memória.
Nossa cidade se insurgiu ao ciclo trabalhista com a eleição de Vanderlan, em seu primeiro mandato. Depois ocorreram diversos processos políticos, muitas descontinuidades e, atualmente, vive uma condição política que remonta os memoráveis tempos da fundação do município, em que temos sintonia política com o Governo do Estado e com a União. Mas o relato que trago nos arremete para a realidade política envolta ao ciclo trabalhista que dirigia o município, com autoridades políticas que se espelhavam no estilo caudilho, sulista, manifesto da história política de Getúlio Vargas.  
Vale o relato, pois estava em uma Audiência Pública em Esteio, que preservo a fonte para evitar qualquer constrangimento, pois não é o objetivo deste texto. Um membro da comunidade, que participou como secretário de obras no Governo de Esteio em tempos memoráveis, inicia uma explanação sobre como resolver problemas administrativos na prefeitura. Contrariado pelo atual representante do Poder Executivo, o ex-secretário disparou a primeira: “O senhor está de má vontade conosco, pois já fui secretário e sei que basta fazer, se pode ou não pode pela lei isso se resolve depois”.
Como jornalista crítico das posturas políticas daquela gestão estava diante do réu confesso. E ele continuou a narrar suas experiências de gestão para mostrar como se faz. Disse que cavou com as mãos, com máquinas um “valo” para acalmar o povo da vila. A forma como se referiu a “vila” mostrava as cicatrizes de um tempo de exclusão social. O vereador que dirigia a reunião disse que a “vila” pela qual o interlocutor se referia, era onde fica sua casa e o “valo” se tratava de um Arroio, que está sendo recuperado a pesados recursos federais. O interlocutor olhava pasmo como se estivesse tentando entender como aquele vileiro estava dirigindo a reunião. Eu, na condição de expectador senti um orgulho nostálgico por ter participado ativamente da eleição daquele parlamentar, cujo símbolo representava as camadas sociais que sempre quis conduzir ao poder.  
Outros interlocutores procuraram explicar as preocupações ambientais no trato com os recursos hídricos e as consequentes enchentes pelas depredações feitas ao meio ambiente. O interlocutor então resumiu sua ideia de meio ambiente e disparou: “Sou ecologista por natureza, crio 60 passarinhos e planto árvores, pois sou responsável pela plantação de inúmeros eucaliptos na cidade”. Todos ficaram sem o que dizer, mas creio que no íntimo de cada um rezava a frase: “Ainda bem que esse tempo passou, que aprendemos com essa história, que estamos fazendo diferente hoje”. Na primeira oportunidade que tive contei para minha filha a história do deserto verde, da inserção de espécies alienígenas ao nosso continente e a consequente esterilização do solo.
O acontecido serve para nos lembrar que os vilões ao meio ambiente existem. Eles estão entre nós e mesmo que não participem ativamente da política hoje, somos obrigados a conviver cotidianamente com as consequências daquela forma de fazer as coisas. Lembro-me da frase de Platão: “Pessoas boas não precisam de leis para dizer a elas como agir com responsabilidade, enquanto pessoas ruins encontrarão um modo de contornar as leis”.

Pela sinapse necessária à esquerda contemporânea

Charles Scholl

É fundamental compreender os princípios que tecem as relações políticas. Repassar os valores que nos orientam às praticas cotidianas que dão sentido ao agir coletivo. Que nos identificam no tecido social como agentes de uma transformação perene, que transcende gestões; que nos fez constituir os mandatos, o partido, a história que conquistamos, a que estamos conquistando e a que temos pela frente. Antes de tudo, há um sentimento presente em todos envolvidos no compromisso de fazer justiça social, de representar segmentos estratégicos para a transformação da sociedade, de fortalecer grupos sociais oprimidos pelo poder econômico, pela sua condição social, política, cultural, de gênero, etnia e de orientação sexual. Tal sentimento, se decantado do caldo espesso que representa nosso cotidiano, pode ser chamado de indignação. É a capacidade que alguns possuem de se indignar com a injustiça alheia, estabelecer relações sociais estratégicas para a construção do “outro mundo possível”.
A idéia de transformação social é a própria idéia da construção de outro mundo possível. Falamos a mesma coisa e devemos compreender isso para saber o papel estratégico que temos enquanto gestores públicos das máquinas administrativas que dirigimos. A ideia de eliminar a miséria no Brasil está no centro dos debates políticos e pode unificar o País e organizar uma ação internacional. Contribuímos com a mesma ideia quando favorecemos, por políticas públicas, a distribuição de renda. Temos que compreender, com responsabilidade, que existe na sociedade organismos que buscam a concentração de renda, em postura polarizada com a orientação política da distribuição.
Pela via democrática, com o favorecimento da circulação da moeda ancorada em uma política de distribuição de renda, é possível orquestrar uma política econômica de consenso no Brasil. Com essa prática constituímos políticas públicas para o Brasil mudando a situação econômica de 35 milhões de brasileiros que ingressaram na classe média. Além disso, lançamos programas sociais para tirar outros 16 milhões de brasileiros da miséria.
Também nos organizamos para estabelecer um papel protagonista do nosso momento histórico e político. É evidente que tal pretensão passa pela necessidade de compreender o tempo em que vivemos. A ideia mais marcante e revolucionária da atualidade, que perpassa toda humanidade, sendo a grande maioria de forma direta e uma minoria de forma indireta, é a concepção de mundo que se constitui com o surgimento da cultura digital. Por meio dela compreendemos que estamos imersos em um dilúvio de informação que foi disponibilizada à civilização global. As novas plataformas tecnológicas revolucionam a comunicação, a política, a economia e os costumes de uma civilização global com uma velocidade nunca experimentada pela humanidade. O impacto da tecnologia digital para a humanidade pode ser compreendido com a intensidade da invenção da escrita, que nos apartou da pré-história.
Tal velocidade atropela a própria ideia de futuro, ao colocar em nosso presente o debate da bioética, da ecologia; do desenvolvimento das tecnologias de comunicação em tempo real e as tendências à criação de sociedades virtuais em redes como a Internet; as radicais alterações no próprio mundo do trabalho, entre tantas novidades em nossa pauta. Vale lembrar que a produção intelectual do espectro político petista já produziu documentos importantes em seus debates internos. Todos muito importantes, amplamente debatidos e deles foram produzidas sínteses políticas valiosas, ao custo da preciosidade intelectual que orienta nossos valores cotidianos.
As novas dinâmicas imprimem aos organismos que produzem políticas públicas um ritmo que precisa fazer caber mil e quinhentos anos em 18 meses. Apenas para que se tenha uma idéia, se tomarmos o conhecimento acumulado pela humanidade no primeiro século da era cristã, foram precisos 1500 anos para que ele fosse dobrado. Mais 250 anos foram necessários para que aquele conhecimento acumulado fosse dobrado pela segunda vez (1750) e, novamente, mais 250 anos para que ele fosse dobrado pela terceira vez. (1900) Atualmente, o conhecimento acumulado pela humanidade dobra a cada 18 meses.


Os ideais humanistas para uma esquerda contemporânea. 


A militância como afirmação de uma idéia moral:



Reconhecer os princípios civilizatórios, como o ideal democrático, por exemplo, e na projeção utópica de valores morais que se anteponham à violência, à discriminação, à intolerância e ao preconceito, por um lado e à injustiça, por outro. Antes de tudo, esses valores constituem uma plataforma moral. Dela derivamos princípios coerentes e racionais, capazes de "filtrar" posições. O processo de elaboração política diz respeito à esfera das possibilidades concretas e responde a cenários que são, quando muito, prováveis. A política é, por isso mesmo, uma atividade específica que movimenta-se, incontornavelmente, em meio à necessidade.
A plataforma atualizada dos Direitos Humanos, formada pelo conjunto de resoluções, pactos e tratados firmados no âmbito das Nações Unidas, nos oferece os princípios mais radicais e coerentes para orientar a luta por uma sociedade desejável. Conhecer essa plataforma e integrar-se militantemente a ela é condição imprescindível para a configuração de uma política moderna de esquerda no século XXI. O processo histórico de afirmação dos Direitos Humanos envolve, pelo menos, 3 gerações distintas: a dos direitos civis e políticos; a dos direitos econômicos, sociais e culturais e a dos direitos dos povos e das nações. Contemporaneamente, temos assistido à formação de uma quarta geração de Direitos Humanos correspondente a um novo regramento suscitado pela moderna revolução científica e tecnológica. Todos esses direitos, concebidos como universais, são interdependentes e não há como se afirmar qualquer um deles em sua plenitude mediante a desconsideração a qualquer dos demais. Assim, por exemplo, a liberdade política será necessariamente constrangida se os direitos econômicos, sociais e culturais não forem efetivos e, em sentido inverso, não há que se falar em efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais na ausência da liberdade política.

Uma radical defesa da paz, da democracia e do Estado de Direito:

A perspectiva democrática e pacifista assinala um patamar incontornável para uma política de sentido transformador em nossa época. Ela envolve, necessariamente, o reconhecimento e a integração dos valores políticos universalizados pela experiência democrática nos marcos de uma pretensão de justiça social. Esses mesmos valores devem ser reivindicados contra as políticas neo-liberais, responsáveis pelo estímulo à guerra e pelo alargamento do mercado de armas, por um lado, e pelo amesquinhamento da democracia e por sua transformação em um espetáculo elitista e midiático, por outro. Defender a democracia no século XXI significa posicionar-se, ofensivamente, em favor da participação ativa dos cidadãos e cidadãs nos negócios públicos, lutando para afirmar uma sociedade civil autônoma, plural e fiscalizadora do próprio Estado. Significa, em contraposição, reconhecer a legitimidade do desinteresse político, do absenteísmo eleitoral e das eticidades centralmente firmadas na esfera privada da existência. Significa reconhecer o caráter necessário e legitimador da representação política, afirmado na exata medida de sua heterogeneidade, moralidade e espírito público de onde derivam os compromissos por eleições livres e periódicas, com o voto universal, secreto e não obrigatório. Defender a democracia no século XXI significa lutar para que a produção da informação seja realizada nos marcos da pluralidade e para que o acesso a ela seja universalizado de onde derivam compromissos de luta contra a monopolização dos meios de comunicação e pelo estabelecimento de mecanismos de defesa da cidadania contra a manipulação da informação. Defender a democracia hoje, por derradeiro, significa lutar pela afirmação da paz, do Estado de Direito e pela consagração da Lei como instrumento civilizatório. Para essa perspectiva, o tencionamento político em uma ordem democrática e, mesmo, as condutas disruptivas diante de Lei que se afigure como injusta, só serão legítimas mediante a opção pacífica pela desobediência civil. O emprego de métodos de luta que afirmem a violência –(como, por exemplo, em casos de guerra civil) só poderão encontrar legitimação pública como resistência a uma ordem que afirme, em si mesma, a negação da política. Restringe-se, assim, ao recurso universalmente aceito de insurgência frente às tiranias. Ainda nessa hipótese, cada vez mais improvável no mundo contemporâneo, o emprego de métodos violentos estará circunscrito às convenções de guerra. Mas isso exclui definitivamente práticas anti-humanistas como, por exemplo, o terrorismo.

Uma valorização da justiça:

O ideal da justiça deve ser parte essencial do pensamento político de uma esquerda contemporânea e democrática. Não apenas a idéia de “justiça social”, com a qual pretendemos designar um patamar mínimo de dignidade para a vida de todos os seres humanos; mas a idéia moral da justiça em si mesma, como o equivalente ao objetivo de assegurar a cada um aquilo que lhe é devido, nas diferentes dimensões de seu ser. Na esfera privada e na esfera pública; desde aquilo que tange a sua honra e a sua afetividade, até aquilo que diz respeito ao seu mérito ou a sua culpa. Não chegaremos a qualquer lugar digno se nosso compromisso com a justiça não se fizer presente em cada gesto ou atitude, se não iniciarmos por construir essa justiça nas relações que temos e nas decisões que tomamos.

Uma firme militância ecológica:

Devemos incorporar os pressupostos ecológicos como estrutura de um novo ethos para o século XXI. Algo que nos permita descartar por definitivo aquilo que na eticidade moderna esteve associado ao objetivo de acúmulo de bens e riquezas materiais e que se afirmou como política predatória da natureza. Não se trata de persistir na tradicional “adesão” oportunista à “pauta verde” que consiste, basicamente, em tranformá-la em um apêndice do discurso economicista de sempre, mas, pelo contrário, em reconhecer na ecologia um desafio central da humanidade diante de seu próprio futuro e do futuro das demais espécies. Daí derivam vários compromissos políticos, entre eles o de reordenar radicalmente os hábitos de consumo das sociedades modernas, seu dispêndio de energia, a qualidade de vida dos centros urbanos, sua política de transportes, etc.

Uma aposta nas modernas tecnologias e no avanço das ciências:

Devemos nos integrar plenamente aos debates contemporâneos em torno das repercussões extraordinárias inauguradas pela revolução científica e tecnológica em curso. Notadamente no caso das comunicações, seja pelas possibilidades de generalização de práticas associativas e interativas até pouco tempo impensadas, seja pelas possibilidades de instituição de mecanismos radicalmente democráticos de formação da opinião pública e de consulta da cidadania, devemos desenvolver grupos de pesquisa e estudo capazes de impulsionar o desenvolvimento das hipóteses mais generosas presentes nas novas tecnologias, estimulando políticas públicas e legislações específicas. Uma esquerda contemporânea e democrática, ao mesmo tempo, deve estar atenta às repercussões éticas da moderna biotecnologia. Nenhuma tecnologia é boa em si. Seus benefícios devem atender a propósitos morais. Desse modo, devemos lutar contra a subordinação das novas tecnologias a interesses meramente econômicos e comerciais.

Um apreço especial pela diferença:

Uma esquerda moderna e democrática deve estimular e ter como um valor a diferença que caracteriza o fenômeno humano, compromisso que só será real em uma militância política pela diferença. Os esforços de homogeneização, a supressão do que há de distintivo nas culturas, a massificação produzida pela indústria cultural, a padronização das condutas, a reprodução de clichês, a repetição incansável do mesmo, a limitação do próprio imaginário social aos imperativos do consumo e, por fim, a liquidação final dos indivíduos transformados em parcelas atomizadas de uma massa amorfa em sua impotência, sedada por seus preconceitos, devem merecer de nossa parte uma crítica impiedosa. Uma esquerda moderna e democrática, por isso mesmo, repudia o “coletivismo” como a expressão dessa mesma tendência na tradição da esquerda. Os coletivos que formamos só o são “coletivos” porque formados de indivíduos os quais, por definição, são únicos. Daí decorrem inúmeras consequências como, por exemplo, o apreço pela criação e o reconhecimento de autoria ou o gosto pelos questionamentos radicais e pela própria filosofia. É também uma militância pela diferença que permitirá situar esforços no sentido de uma “feminização” da política, capaz de contrastar certos arquétipos masculinos (competitivos e autoritários) que definem boa parte dos estilos e valores da esfera pública; os esforços que devemos fazer no sentido de que sejam reconhecidas como legítimas as homossexualidades, e que se assegure, às diferentes orientações sexuais, o respeito que o amor e o prazer devem inspirar; que promova os negros e as etnias subjugadas; que acolha, verdadeiramente, os portadores de deficiência e assim sucessivamente para todos os demais grupos discriminados e/ou marginalizados.

Desafios políticos basilares para a constituição de uma plataforma pragmática, estratégica, tática e operacional comum:

1) Tolerância zero com a fome e enfrentamento radical contra a miséria – operar de forma estratégica nas máquinas administrativas para fazer valer a implantação dos programas sociais de combate a fome.

2) Política de segurança pública e redução dos indicadores de violência – operar junto aos mecanismos organizados da sociedade a implantação de um programa municipal de segurança pública qualificado.

3) Retomada do desenvolvimento com distribuição de renda – operar em nossos mandatos políticas públicas de incentivo ao setores fragilizados economicamente que lhes garantam autonomia

4) Reforma Política – aprofundamento do processo democrático em seus mecanismos eletivos.

5) Política externa e integração soberana – no acompanhamento das posições do Congresso Nacional e do Governo Federal.

6) Fortalecimento das relações com os organismos não governamentais representativos dos mais diversos tecidos sociais, com ênfase estratégica aos segmentos fragilizados economicamente que agem de forma fragmentada e individual.