UNIVERSIDADE
FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO
DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA
DEPARTAMENTO
DE FILOSOFIA
CURSO
DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA A DISTÂNCIA
DISCIPLINA:
OFICINA DE ENSINO DE FILOSOFIA
PROF:
PEDRO LEITE
A
QUEM INTERESSA COMBATER OS DIREITOS HUMANOS?
UMA
BREVE ANÁLISE SOBRE OS DISCURSOS NAS ELEIÇÕES DE 2018 NO BRASIL
CHARLES
SCHOLL CARVALHO
UAB
– 04
MATRÍCULA
17201734
contatoesparta@gmail.com
INTRODUÇÃO
O
Brasil realizou suas eleições ordinárias federais em 2018, para os cargos no
Poder Executivo de presidente da república, vice-presidente da república e
governadores dos estados. No Poder Legislativo foram escolhidos pelos
brasileiros os senadores, deputados federais e deputados estaduais. As
políticas públicas de Estado adotadas nas últimas décadas produziram mudanças
históricas na distribuição de renda e avanços no cumprimento das garantias
constitucionais dos brasileiros, ao qualificar o acesso à saúde, educação e
assistência social. Tais políticas públicas viraram objeto da disputa eleitoral
entre os setores políticos que defendiam a ampliação do estado de direito e os
que defendiam o estado-mínimo, flexibilização de direitos e a redução de
programas sociais.
Em
meio a disputa eleitoral, o debate político entre os candidatos relativizou um
conjunto histórico de direitos adquiridos pelos brasileiros trabalhadores em
dois séculos de conquistas, tais como os direitos trabalhistas conquistados na
era Vargas.
Além do ataque aos direitos trabalhistas, os Direitos Humanos viraram alvo
principal de um dos candidatos que representa um campo conservador.
O
candidato que ameaçava a democracia prometendo uma intervenção militar, que
compôs com um vice-presidente que é general do Exército, defendia o fim dos
direitos humanos e o fim de garantias trabalhistas, galgou a vitória eleitoral
no Brasil. A relativização dos direitos perece nos apontar uma certa anomia e
uma crise institucional brasileira, que tem chamado a atenção do mundo, com
prisões políticas, assassinato e uma deturpação completa da ideia de Direitos
Humanos. Em meio a esse cenário, este artigo busca abordar as origens dos
Direitos Humanos com o objetivo de enfrentar a aparente anomia brasileira
revelada neste processo eleitoral e possíveis motivações das campanhas em
realizar os ataques aos direitos.
ELEIÇÕES E ESTADO DE EXCEÇÃO
As campanhas eleitorais de 2018 tiveram início
no dia 18 de agosto. O objeto que analisamos neste artigo irá se debruçar sobre
a eleição majoritária ao Governo Federal, principalmente nos desdobramentos do
segundo turno. No entanto, as eleições de 2018 foram atípicas por serem as
primeiras eleições realizadas no Brasil após o Congresso Nacional ter
destituído a Presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores por um
suposto crime administrativo popularmente conhecido como pedaladas fiscais. Ocorre que a prática da
pedalada fiscal é um recurso administrativo corriqueiro e usual na máquina
estatal, que consiste em tomar recursos de bancos públicos para saldar o
pagamento de programas sociais, tal como o programa Bolsa Família e
posteriormente repor. A prática é usual em prefeituras, estados e é utilizada
até hoje pelo Governo Federal. Em virtude desta evidente farsa política
ocorrida em 2016, assumiu a Presidência da República o vice-presidente Michel
Temer, do PMDB. A ação foi protagonizada em meio a uma crise política que tinha
como pivô central o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do MDB,
que ao ser contrariado por Dilma abriu o processo de Impeachment que a tiraria
do poder. Desde então, o Brasil vive em um estado de exceção, que se arrastaria
até as eleições de 2018, com a implementação de um programa de gestão do Estado
defendido por Aécio Neves, do PSDB, que havia perdido as eleições para Dilma
Rousseff. Com isso, o governo de Michel Temer passou a contar com a
participação direta do PSDB e seu plano de gestão de Estado.
O
Partido dos Trabalhadores chegou à Presidência da República no Brasil com o 35º
Presidente de sua história republicana, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 1º de
janeiro, de 2003, sucedendo o Governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Seu
governo foi reeleito e criou os mais avançados mecanismos de combate a
corrupção já vistos na história brasileira, com o empoderamento da Polícia
Federal e do Ministério Público. O presidente Lula governou de 2003 a 2011 e
foi sucedido pela Presidenta Dilma Rousseff. No dia 17 de março de 2014, em
Curitiba, teve início uma operação anticorrupção liderada pelo juiz Sérgio
Moro, denominada de operação Lava Jato. A operação é conhecida como a maior
investigação de corrupção da história do Brasil.
O
nome da operação deve-se ao uso de um posto de combustíveis para movimentar
valores de origem ilícita, investigada na primeira fase da operação, na qual o
doleiro Alberto Youssef foi preso. Através de Youssef, constatou-se sua ligação
com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, preso preventivamente na
segunda fase. Seguindo essa linha de investigação, prendeu-se Nestor Cerveró,
um engenheiro químico da Petrobrás, em 2015, que depois delatou outros. Em
junho, a operação atingiu grandes empreiteiras brasileiras, como a Andrade
Gutierrez e Odebrecht, cujos respectivos presidentes, Otávio Azevedo e Marcelo
Odebrecht, foram presos; posteriormente, muitas outras empresas de ramos
diversos seriam investigadas. Ao longo de seus desdobramentos, entre outras
pessoas relevantes que acabaram sendo presas graças à operação, incluem-se o
ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), o ex-senador Delcídio do
Amaral(PT), o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha(MDB), os
ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci(PT) e Guido Mantega, o publicitário
João Santana, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu(PT), o empresário
Eike Batista e, em abril de 2018, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula
da Silva e o atual governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB).
A
prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi questionada
internacionalmente, por ter sido feita sem provas em meio a um processo com
inúmeras dúvidas levantadas por organismos internacionais ligados às
Organizações das Nações Unidas. É considerada uma prisão política engendrada
pelo juiz Sérgio Moro, que tinha por objetivo retirar Lula das eleições de
2018, sendo que o ex-presidente liderava as pesquisas eleitorais que apontava sua
vitória já no primeiro turno. A frase proferida pelos acusadores que afirmavam “não
ter provas, mas convicção”, dita em uma apresentação que ficou conhecida como a
tese do Power Point, protagonizada pelo Procurador da República, Daltan
Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato, estarreceu juristas de todo o
Planeta. Sem Lula, o Partido dos Trabalhadores concorreu com o professor Fernando
Haddad em uma aliança com o PC do B, que tinha Manuela D’ávila como
vice-presidenta. A decisão do PT foi tomada a poucos dias do processo
eleitoral, pois até então mantinha Lula como candidato a Presidência da
República, apesar de preso.
Mesmo
sem Lula, o Partido dos Trabalhadores chegou ao segundo turno, polarizado com o
candidato do Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, que tinha como vice
o General do Exército, Hamilton Mourão. Nesta polarização política, Fernando
Haddad defendia a retomada das políticas de Estado adotadas pelo ex-presidente
Lula, que promoveu o desenvolvimento e o pleno emprego, com um mecanismo que
gerava riquezas e enfrentava as históricas disparidades sociais e econômicas
presentes no tecido social brasileiro. Assim nos mostra a matéria do Jornal O
Globo, do dia 3 de maio, de 2011, com o título: “Governo Lula reduziu pobreza
do país em 50,6%, mostra estudo”. Os dados são da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), com resultados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), que segundo o economista Marcelo Neri, da FGV, com esses
números o Brasil superou a meta do milênio.
Por
conta do golpe de estado contra Dilma Rousseff e a implementação de um programa
antipopular, com restrições de direitos, diminuição da máquina pública, a
população passou a perceber os sintomas da crise. A retirada da moeda de
circulação, com a economia favorecendo os rentistas em detrimento do capital
produtivo, afetou a economia e a produtividade, gerando uma massa de
desempregados. A restrição dos programas sociais colocaram novamente o Brasil
no mapa internacional da fome, pois um dos méritos do Governo Lula foi ter
tirado o país da nefasta lista internacional.
Os
detentores do poder atribuíam a crise percebida pela população a uma herança
deixada pelos governos do PT, em amplas campanhas publicitárias que defendiam o
enxugamento da máquina estatal e o fim dos programas sociais. Além da
flexibilização das leis trabalhistas para a retomada do emprego. A campanha de
Jair Bolsonaro passou a contar com mecanismos ilegais de distribuição de
notícias falsas por redes sociais, com apoio econômico de empresários que
nutriam uma neurose de um ataque comunista ao Brasil. No curto período de tempo
da campanha eleitoral, os boatos não tinham como ser desmentidos e os veículos
de comunicação de massa lavaram as mãos para atender interesses imediatos de
seus empreendimentos. As notícias falsas tinham conteúdos absurdos, tal como a
distribuição de mamadeiras em formato de pênis nas escolas em um kit gay, que
continha também livros que tratariam da educação sexual de crianças. O livro
chegou a ser apresentado em rede nacional durante uma entrevista de Jair
Bolsonaro, no Jornal Nacional, da Rede Globo. Este fato foi desmentido, mas
pesquisas posteriores apontam que 85% das pessoas acreditaram na existência do
kit gay.
Uma
verdadeira tsunami de mentiras encontrou ressonância com os escândalos de
corrupção promovendo no eleitorado uma perda de referências que relativizou
princípios muito caros à civilização contemporânea, tal como as campanhas
contra os Direitos Humanos. O processo eleitoral legitimou o racismo, a
misoginia, a violência sexual contra as mulheres, a homofobia em discursos de
ódio que foram comparados a uma onda fascista no Brasil. Esse complexo cenário,
completamente poluído pelas relações de interesse dos veículos de comunicação
de massa, tornaram, no senso comum, os Direitos Humanos algo terrível que
precisava ser combatido. Os professores foram transformados em criminosos
formadores de “esquerdopatas” que eram responsáveis pela crise nacional. O juiz
Sergio Moro vazou depoimentos de Antônio Palocci contra o PT às vésperas das
eleições em versões que não se confirmaram até o momento. Além disso, emergia
nesse debate uma proposta fundamentalista denominada Escola Sem Partido, que de
fato é a escola do pensamento único sustentada pela ideologia da extrema
direita que disputava o poder. Ao final das eleições, Jair Bolsonaro se tornou
o novo Presidente da República no Brasil, com 57.797.847 votos, representando
55,13% dos votos válidos; e Fernando Haddad ficou com 47.040.906 votos,
representando 44,87% dos votos válidos.
Em
meio a esse cenário, ao tomar a distância necessária da crise para tentar
compreendê-la, é possível identificar a retomada das prisões políticas no
Brasil, além do assassinato de Marielle Franco,
do PSOL que ocorreu também por motivações políticas no Rio de Janeiro. Tanto
Lula, quanto Marielle, guardadas suas proporções, eram ativistas dos Direitos
Humanos em seus programas de gestão do Estado. Defendiam o Estado democrático
de direito e, especialmente, Marielle era uma mulher, negra, líder de
periferias no Rio de Janeiro. Marielle se tornou alvo de Jair Bonsolnaro e de
seus seguidores, que em campanha eleitoral chegaram a arrancar e quebrar uma
placa em via pública que homenageava a vereadora assassinada impunemente. A
tese de Mestrado em Administração, escrita por Marielle, na Universidade
Federal Fluminense se intitulava “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: Uma
Análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”. Em suas
considerações finais Marielle deixa clara a política que defendia:
“Ao final deste
trabalho, arrisca-se afirmar que o mais correto, se estivesse em jogo uma
alteração qualitativa na política de Estado e de Segurança Pública, seria
nominar as UPPs de Unidades de Políticas Públicas, por se tratarem de uma
necessária mudança cultural em territórios nos quais a presença do Estado não
ocorre na completude.”(Pag.123-Tese de Mestrado – Franco Marielle –
Universidade Federal Fluminense).
Fica
bastante evidente a vulnerabilidade do sistema democrático em uma população sem
senso crítico, poluída por inverdades e motivada à cultura do esquecimento, que
lhe reserva a grande possibilidade de sustentar governos autoritários pelo mais
absoluto abandono de sua história. A relativização dos Direitos Humanos
presentes nesse processo nos deixa grandes questões: O que são direitos
humanos? Como surgiram e de onde vieram?
A HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS
Segundo
a Organização das Nações Unidas (ONU), a história dos direitos humanos inicia
com o Rei Persa, Ciro II O Grande, em 539 a.C.. Em 1879, foi descoberto o
Cilindro de Ciro, que foi traduzido pela ONU e distribuído para todos os países
em 1971. Atualmente o objeto encontra-se exposto em um museu britânico. Antes
de Ciro, as populações eram vulneráveis à tirania daquele que vencesse a
guerra. Se a pessoa estava no lado certo se dava bem, se estava no lado de quem
perdia a batalha virava escravo ou corria risco de ser morto. Porém, quando
Ciro tomou a cidade da Babilônia libertou os escravos e permitiu a liberdade
religiosa dos povos de seu império, que fora o maior até então conhecido pela
humanidade.
As
ideias de Ciro II se espalharam pela Índia, Grécia e Roma. Em Roma, foi quando
se teve a ideia de que existe uma Lei Natural, que é seguida por todos, mesmo
por aqueles que desconheciam os códigos legais. A ideia da lei natural foi
debatida ao longo da história da humanidade contra os detentores do poder até
que em 1215, o Rei João, da Inglaterra redigiu a “Carta Magna”. A redação desta
carta garantia o direito da existência da igreja sem interferências do governo,
além de afirmar que todos os cidadãos livres tinham direito de herdarem a
propriedade privada e de serem protegidos de impostos excessivos. O documento
foi redigido mediante pressão dos súditos do Rei João, após a majestade ter
contrariado e violado inúmeros costumes populares. Nesta Carta Magna também
encontramos o estabelecimento do princípio de um processo legal que colocava
todos em igualdade perante a lei e condenava subornos e a má conduta oficial. Nem
mesmo o Rei poderia contrariar a Carta Magna assinada por ele.
Em 1628 o Parlamento Inglês avançou e
instituiu mais um marco histórico do direito, com o objetivo de proteger a
população das arbitrariedades dos modelos políticos absolutistas vigentes na
época. Nesse ano o Parlamento Inglês redigiu a Petição de Direito, contendo
quatro princípios de liberdades civis. O primeiro afirmava que nenhum tributo
poderia ser imposto sem o consentimento do Parlamento Inglês. O segundo
afirmava que nenhum súdito poderia ser encarcerado sem o motivo demonstrado,
quando se reafirmou o princípio do direito de habeas corpus. O terceiro proibia
o aquartelamento de soldados nas casas dos cidadãos. E o quarto afirmava que a
Lei Marcial não poderia valer em tempos de paz. Os direitos postos na Petição
do Parlamento Inglês tinham por objetivo limitar a ação autoritária
característica no absolutismo monárquico.
Com
a declaração de independência dos Estados Unidos, em 1776, no dia 4 de julho, o
Congresso aprovou um documento histórico sob a liderança de Thomaz Jefferson
que anunciava que as 13 colônias americanas não faziam mais parte do Império
Britânico. O documento ainda enaltecia os direitos individuais e o direito a
revolução. Essas ideias se difundiram internacionalmente influenciando também o
Continente Europeu. A declaração de independência apontava os contorno da ideia
de direito que compreendemos hoje e certamente influenciou o advento da
Revolução Francesa. Em 1787 foi formulada, em um verão na Filadélfia, a
Constituição dos Estados Unidos. É a mais antiga constituição nacional escrita
que está vigente até os dias de hoje. Ela estabelece os principais órgãos de
governo e suas jurisdições e os direitos básicos dos cidadãos. Ainda nos
Estados Unidos, em 1791, entrou em vigor, no dia 15 de dezembro, a Declaração
de Direitos, que é composta pelas 10 primeiras emendas que limitam os poderes
do Governo Federal e protege os direitos de todos os cidadãos, residentes e
visitantes no território dos Estados Unidos. Neste capítulo da história do
direito é possível perceber que a estrutura foi criada para impedir estados
autoritários.
No
Continente Europeu, em 1789, mais
especificamente na França, foi firmado mais um capítulo da história do direito
com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O documento foi redigido
pela Assembleia Constituinte Nacional como o primeiro passo para a redação da
Constituição da República da França. O fato ocorreu seis semanas após a queda
da Bastilha e três semanas depois da abolição do feudalismo. O documento
garante direitos de liberdade, a propriedade, a segurança e resistência à
opressão. Mesmo na Revolução Francesa os direitos emergem com o objetivo de
proteger o povo de ações arbitrárias de seus governos, garantindo um conjunto
de direitos que se estendem a todas as pessoas. No entanto, a ideia do direito
sempre se mantinha nos limites territoriais do governo que o definia.
Foi
em Genebra, em 1864, que essa lógica do direito tomou proporções que envolveram
diversos governos, com a pretensão de estabelecer regras universais. A
Convenção de Genebra foi adotada por 16 países europeus e vários estados
americanos que tinha por objetivo proteger soldados feridos em guerras. Os
fundamentos desta convenção foram mantidos em outras convenções futuras
especificando a obrigação de ampliar o cuidado, sem discriminação, ao pessoal
militar ferido ou doente, mantendo o respeito sobre os transportes de pessoal
médico e equipamentos distinguidos pela cruz vermelha com um fundo branco. A
iniciativa adotada pelo Conselho de Genebra abria as portas para uma futura
convenção capaz de acordar entre as nações de todo o Planeta, um conjunto de
direitos que poderiam ser considerados universais.
Porém,
o século XX foi marcado pelo totalitarismo. Ainda assim, um jovem advogado
indiano chamado Mahatma Gandhi enfrentou a violência desenfreada da humanidade
em uma campanha para que todas as pessoas do Planeta tivessem direitos. Alguns
países europeus começaram a concordar, mas duas guerras mundiais sepultaram
suas ideias. Nunca a proposta dos Direitos Humanos esteve tão próxima da
extinção, assim como a própria humanidade. Hitler, em uma das interfaces
fascistas experimentadas pela humanidade, exterminou metade da população
judaica da Terra em campos de concentração terríveis, com o advento do
Holocausto. Nunca o mundo esteve tão desesperado por mudanças, quando diversos
países do Planeta criaram a Organização das Nações Unidas (ONU), com o
propósito de reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e
valor da pessoa humana.
Em uma
Assembleia Geral da ONU, sob a coordenação de Eleonor Roosevelt, viúva de
Franklin Roosevelt, que sempre foi uma defensora dos direitos humanos,
conseguiu organizar as forças necessárias para sistematizar em 30 artigos um
documento semelhante a Carta Magna, com caráter internacional que serviria a
toda a humanidade. O documento foi adotado no dia 10 de dezembro de 1948 e
denominado Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pela primeira vez na
história da humanidade um documento reunia, desde o Cilindro de Ciro II, uma
compilação de direitos universais que foram pactuados pela Organização das
Nações Unidas. Esse documento é a principal referência para as constituições de
diversas nações do Mundo. O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil é
fortemente influenciado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
No
entanto, essa formalidade toda não impede que pessoas continuem morrendo de
fome, que tenhamos governos autoritários, que tenhamos regimes escravos,
discriminação racial, xenofobia, posturas políticas que promovem verdadeiros
genocídios nas populações humanas. Sabemos das motivações da humanidade, ao
longo de sua história, de esculpir o que conhecemos hoje como os Direitos
Humanos. Podemos deduzir as intenções de quem se sente diminuído ao ter que
respeitar a humanidade, seus direitos e compreende essa plataforma ética
positivada como um entrave em seus planos. Podemos compreender que governos
autoritários, que promovem a escravidão, a injustiça social, a destruição do
meio ambiente, a desvalorização étnico racial, que promove o machismo subordinando
as mulheres a salários inferiores na mesma função de homens, com jornadas de
trabalho dobradas, sem o devido reconhecimento de seus direitos na hora da
aposentadoria. Da mãe progenitora que fica com o encargo de cuidar de seus
filhos ao tempo que o homem se desprende do núcleo familiar e nada contribui
gerando pobreza, sofrimento e injustiças. Governos que assim podem identificar
os Direitos Humanos como um entrave aos seus planos.
BRASIL, DIREITOS HUMAOS E O MUNDO
A
comunidade internacional demonstra grande preocupação com a onda fascista que
assola a sociedade brasileira. A legitimação das violações dos direitos humanos
tomadas como plataforma de campanha de Jair Bolsonaro provocaram reações em
Genebra. No dia 29 de agosto, do corrente ano, o alto comissário da Organização
das Nações Unidas, Zeid Al Hussein, em uma entrevista coletiva divulgada pelo
Jornal Estado de São Paulo, qualifica o discurso de Bolsonaro como perigoso. No
curto prazo para minorias e no médio e longo prazos para o Brasil como um todo.
As políticas econômicas adotadas no período pós golpe de 2016 já afetam a
população como um todo, promovendo a concentração de renda, que torna ainda
mais ricos uma pequena parcela da população ao tempo que emerge um amplo
contingente de miseráveis, desempregados e desassistidos.
A
realidade brasileira é motivo de preocupação por defensores da democracia e dos
direitos humanos de todo o Planeta. Nos dias 17 e 18 de novembro, do corrente
ano, em Buenos Aires, na Argentina, aconteceu a reunião do Conselho Latino-americano
de Ciências Sociais, em que um de seus temas centrais foi a realidade
brasileira. Nos dias 19 a 23 de novembro, seguiu-se em Buenos Aires a 8ª
Conferência Latino-americana e Caribenha de Ciências Sociais com o tema: “As
lutas pela igualdade, pela justiça social e pela democracia em um mundo
turbulento”. Nesse período foi realizado o Primeiro Fórum Mundial do Pensamento
Crítico, em uma reação a onda conservadora que assola o Planeta. O Brasil foi
um dos principais protagonistas deste encontro internacional, que contou com a
ex-presidenta Dilma Rousseff, Manuela D’ávila e Guilherme Boulos, que foi
candidato a presidência da república pelo PSOL, nos principais painéis para
falar para uma plateia de cerca de 50 mil pessoas de todo o mundo.
Eu
participei das atividades em Buenos Aires e as faixas de recepção do evento
traziam palavras de ordem como: “Lula Livre” e “Marielle Vive”. Lá eu
presenciei o esforço desta comunidade internacional de acadêmicos ligados às
ciências sociais em desenvolver mecanismos e estruturas que possam frear o
avanço dos governo autoritários, que disseminam o ódio e buscam edificar um
clima de guerra no Planeta. Diante da passividade e da legitimidade dada pela
sociedade brasileira ao governo fascista que se apresenta, nos faz crer que os
espaços educativos sejam as últimas fronteiras da civilidade.
No
entanto, os horizontes nos mostram caminhos turbulentos e imprevisíveis.
Confirmando as teses do golpe de estado, o juiz Sergio Mouro, que prendeu Lula,
será o Ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Tudo indica que o procurador da
Lava Jato, Daltan Dallagnol, também deve integrar seu governo. Um corpo
reconhecidamente corrupto incorporou o primeiro escalão e trabalhará ao lado de
Sérgio Mouro sem nenhum questionamento. Além dos corruptos, o governo também
contará com um grupo de generais militares que foram colocados na articulação
política com o congresso. O chefe da Casa Civil, Onix Lorenzone é réu confesso em
esquemas de corrupção e a cada dia fica mais evidente que Jair Bolsonaro é a
sucessão de Michel Temer, que também deve permanecer em seu governo, assim como
o MDB. Os planos desta gestão estão focados na entrega do petróleo e das
riquezas naturais do Brasil, além de subjugar o desenvolvimento do povo brasileiro
aos interesses orientados pelos Estados Unidos, que outrora foram frustrados
com a queda da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que está sendo reeditada
por dentro do próprio governo brasileiro. Ao concluir este artigo, a notícia
corrente nos veículos de comunicação é a flagrante subserviência de Bolsonaro
ao Governo de Donald Tramp, para quem o presidente brasileiro presta
continências.
Em
sua palestra no Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico, o sociólogo
português Boaventura de Souza Santos fez referência a falta de autocrítica por
parte dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores no Brasil. Em um
esforço para atender a provocação do sociólogo, talvez seja importante
relembrar que se não produzimos uma educação libertadora, pouco importa a
melhora nas condições sociais e econômicas. Pois quando a educação não é
libertadora o sonho do oprimido é um dia ser opressor. Penso nisso a todo
momento quando vejo meus colegas de aula, que estão tendo a oportunidade de
fazer um curso superior na Universidade Federal de Pelotas, no Polo UAB 04, por
conta das políticas implementadas por Lula, que revolucionou o acesso ao ensino
superior no Brasil. No entanto, preferem acreditar que o melhor é o
estado-mínimo e os cortes dos investimentos sociais, sem compreender que esse
corte lhe custará seu próprio curso. Se isso ocorre na minha sala de aula,
podemos deduzir como o relativismo generalizado, a falta de senso crítico
abalou a estrutura cultural da sociedade brasileira.
No
entanto, um dos palestrantes do Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico,
ex-presidente da Colômbia, Ernesto Samper, ao trazer essa desconfortável
realidade, lembrou a todos que “o período mais escuro de uma noite acontece uma
hora antes do amanhecer”. É uma mensagem de esperança que remonta a luta e o
exemplo de Mahatma Gandhi e sua importância histórica para que a ideia dos
Direitos Humanos pudesse resistir a duas guerras mundiais e se consolidar com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um exemplo de resistência que deve
servir aos brasileiros que tendem a enfrentar um período político de
autoritarismo, de segregação econômica e social.
Referências
bibliográficas
CASARA Rubens, O Estado
Pós-democrático, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2017.
SANTOS Boaventura de
Souza, A Difícil Democracia: Reinventar as Esquerdas, Boitempo, Coimbra, 2016.
FREIRE Paulo, Pedagogia
do Oprimido, Paz e terra, Rio de Janeiro/São Paulo, 65ªed. 2018.
SOUZA Jessé, A Elite do
Atraso: Da escravidão à Lava Jato. Leya, Rio de Janeiro, 2017.
FRANCO Marielle, UPP –
A redução da favela a três letras: Uma análise da política de segurança pública
do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, 2014.
VARGAS, Getúlio, A
Política Trabalhista do Brasil, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro,
1949.
O PPROCESSO. Direção:
Maria Ramos. Documentário. Brasil, 2018.