Para aqueles que conhecem as rotinas do serviço público já devem ter se deparado com algumas tensões resultantes das diferenças da natureza pública e privada. Talvez o núcleo dessa tensão esteja na máxima em que todo o cidadão é livre para fazer o que bem entende, desde que não contrarie a lei. Já o Estado não pode fazer nada que não esteja previsto em lei. Bom, com isso, é comum encontrar manifestações de defesa de procedimentos em que o único argumento é a afirmação de que “sempre foi assim”. Tal situação me lembra muito o debate em torno da reforma política. Pode parecer uma comparação completamente desqualificada, mas a faço sem medo, pois acredito que as dificuldades em torno da reforma política moram na desinformação geral sobre o assunto.
Em um primeiro momento se faz necessário afirmar que o Congresso Nacional é a instância que mais acumulou estudos sobre as possibilidades de reforma política no Brasil. Portanto, não se trata, necessariamente, de um assunto de domínio popular. O estranhamento que a opinião pública tem com o tema revela a crise da representatividade e a distância entre governo e sociedade. É também a crise da representação política em que, via de regra, as campanhas são focadas nas personalidades em completo desprezo por qualquer programa de governo ou partido. Diante desse quadro prevalece o lógica do poder econômico que sustenta uma relação clientelista com o eleitorado brasileiro. O ciclo é perfeitamente sustentado na cultura política do país, que vive seu momento pós-ditadura. Existe um grupo importante de parlamentares que acreditam que o Brasil já vive outro momento político e estão dispostos a apreciar algumas propostas vinculadas a reforma política.
Na minha opinião, quatro propostas são importantes e podem mudar completamente as relações político-eleitorais no Brasil. As propostas alteram o modo de financiamento de campanha, definem novas regras de reforço a fidelidade partidária, mudam o modo de escolha dos candidatos propondo a composição de listas partidárias e redefinem regras sobre as coligações partidárias. O assunto parece absolutamente alienígena às conversas de bar, rodas de chimarrão, bate-papo na internet, conversas entre professores, programas de TV, artigos em jornais ou revistas, ou seja, é algo que tende a ser tratado pela elite política brasileira. Porém, suas conseqüências se darão sobre toda a população.
A idéia de enfrentamento da cries da representação, cries ética, corrupção passam necessariamente por uma revisão sobre a forma que realizamos os processos eleitorais no Brasil. Relembrando a máxima de que “sempre foi assim”, vale lembrar que para isso não serve. Também é oportuno lembrar os motivos que deram origem ao sistema político vigente em nosso país. Ainda é possível perceber as marcas genéticas do governo Castelo Branco (1964 – 1967), em que o General Golbery de Couto e Silva articulou um plano para impedir o crescimento vertiginoso do PTB, sob o argumento de que se deveria garantir as bases de uma transição “lenta, gradual e segura”. Depois a forma como o sistema parlamentarista foi debatido no Congresso Nacional, que introduziu suas bases na reforma constitucional de 1988, acabou consagrando o regime presidencialista. Com o mandato de Fernando Henrique Cardoso instituímos um regime ainda mais autoritário que vai das medidas provisórias até a possibilidade da reeleição. Talvez hoje as pessoas já encarem a reeleição como algo normal. Mas, certamente, é mais fácil compreender que essas mudanças foram tomadas para assegurar determinados grupos no poder do que aproximar o governo da sociedade. Talvez seja o momento de debater uma reforma política que moralize os processos eleitorais, reforce as instituições partidárias e aproxime a sociedade dos governos em mandatos eleitos por seus programas e propostas. Utópico? Acho que não, a resposta depende do tempo em que se vive, pois sabemos que nem sempre foi assim e assim não será para sempre. Então como será?
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