Após uma enxurrada de compromissos profissionais que oprimiram o tempo que reservo à vida pessoal olhei a volta e percebi que o tempo não para. O relógio biológico me ofertou mais rugas e cabelos brancos. As nuvens soltas que deslizam no céu marcam o tempo que se esvai como a água que escapa entre os dedos e não volta mais. Também é certo que o tempo em que estive trabalhando foi um tempo vivido intensamente, mas o contraste entre a vida pessoal e profissional se acentuou sobre as coisas do cotidiano que não podemos delegar para ninguém. Fui acometido por um sentimento de extrema nostalgia, como se tivesse que prestar contas de tudo que fiz na vida em um segundo. As maiores dívidas que tenho, por mais redundante que possa parecer, estão sobre as coisas que não fiz. Talvez essa vontade de contabilizar a vida seja uma resposta aos estímulos do calendário de dezembro, quando encerramos atividades do ano e programamos nossos afazeres em um renovar de esperanças.
A opressão que senti sobre os compromissos pessoais que deixei de resolver sempre me inquietara. Estava orgulhoso demais para perceber. Iludido com aquilo que acreditava ser realidade. Porém, a verdade estava diante da porta da minha casa. Estava manifesta no pátio, que me ofertava uma agonia cotidiana que procurava amortizar em prestações medíocres de conquistas alheias, que jamais serão reconhecidas. Tudo que fiz foi por que precisava ser feito. Viabilizei projetos, promovi pessoas, levantei fundos, transformei realidades e, enquanto isso, a grama da minha casa apontava o desleixo com as coisas mais básicas da vida. Como se eu estivesse fugindo de mim mesmo. Nessa fuga agi como um cão tolo que corre em torno de seu próprio rabo. Mesmo com o esforço de noites em claro, a grama da minha casa não perdoava e continuava a crescer.
Tudo era empecilho. Cheguei a contratar três pessoas e contatei mais duas para que fizessem o serviço. Ninguém apareceu e a grama continuava a crescer. Meus amigos já perguntavam se eu ainda morava ali. Meus vizinhos pararam de me cumprimentar. Nem mesmo os gatos que circulavam o terreno mantiveram suas freqüentes investidas na grama, que já havia se tornado mais forte e alta impondo-se sobre qualquer quadrúpede doméstico que ousasse batizá-la. O desafio de retomar alguma idéia de controle sobre minha vida passava pelo corte da grama que não parava de crescer.
Na vida, quando nos deparamos com dificuldades, o melhor caminho é buscar a superação dos nossos limites. Nossos amigos são fundamentais para isso, pois nos dão a chance de perceber pontos de vista que nos parecem cegos de onde olhamos. Após refletir muito sobre isso, surgiu uma bondosa alma que se sensibilizou com o drama e me ofereceu uma ferramenta para que eu pudesse resolver o problema. Com a máquina de cortar grama na mão, ainda tinha que vencer minhas resistências e encarar a tarefa como prioridade. Abandonar compromissos que julgava importantes e reconhecer, humildemente, a necessidade de equilibrar a dedicação da vida. Até mesmo os colegas de trabalho tinham dificuldades de compreender o foco demasiado sobre os assuntos profissionais e criou-se, com isso, um ciclo degenerativo que comprometia tudo.
Com as ferramentas, com o tempo e a atenção necessária, finalmente cortei a grama da minha casa e a vida voltou a brilhar. Meus vizinhos me cumprimentavam com entusiasmo, pessoas que passavam na rua paravam para perguntar se eu queria vender a propriedade e tive clareza sobre todos os assuntos pessoais que tenho que resolver. O melhor na vida é aprender com os erros dos outros, pois isso pode poupar sofrimentos desnecessários. Nesse final de ano não deixe de cortar a grama alta de suas vidas, por mais difícil que seja a tarefa. Pois, certamente os desafios que estão por vir, no ano que está para nascer serão digeridos pelo relógio biológico da vida, sem que ocorra uma congestão existencial que sempre nos traz a desagradável sensação de perda de tempo. Até porque o tempo não para...
Charles Scholl
falecomcharles@pop.com.br
As coisas simples representam uma etapa importante, algumas vezes as pessoas esquecem. É como diz o texto: Os amigos são fundamentais para lembrar essas etapas, até mesmo os amigos míopes.
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