Já
nas primeiras notícias que temos sobre a vida humana em comunidade estão
presentes questionamentos sobre as coisas do mundo e o nosso lugar nele. Nos
primórdios, as respostas se davam por preceitos religiosos, ações dos deuses
que eram informadas por lendas, entre outras formas de transmissão de
conhecimento pela imitação. As histórias míticas tinham que dar conta das
respostas para toda a estrutura que resulta do processo de constituição da
civilização humana. O mito tinha papel fundamental na transmissão de saberes,
já que uma de suas características é a certeza do fato e uma ideia absoluta sobre
as coisas. Mitos são inquestionáveis, pois são a verdade posta aos mortais.
Mas, por volta do ano 600 A. C. uma nova forma de se portar com o mundo
emergia. Mais precisamente em 624 A.C. nascia em Mileto o filósofo Tales, que
ao longo de sua vida se insurgiu as formas míticas de se relacionar com o mundo
e optou pela razão. Por conta dessa mudança Tale de Mileto é considerado o
primeiro filósofo, aquele que inaugura o princípio da filosofia.
A
utilização da razão para investigar a natureza e as coisas do universo,
presente no pensamento de Tales de Mileto nos coloca sobre outras perspectivas.
Uma delas é que a mitologia valoriza as respostas decoradas e passadas de
geração para geração em que os conceitos são subjetivos e imutáveis. Já a
filosofia valoriza o questionamento acerca das coisas mais do que as próprias
respostas. Ao longo de sua vida, Tales utilizou a razão para investigar as
coisas do universo e animou muitas outras pessoas a fazerem o mesmo.
Para
Tales de Milteto a matéria prima do cosmos é a água. Suas deduções resultam da
ideia que da água tudo pode ser formado, é essencial à vida, capaz de se mover
e é capaz de mudar. Já para seu discípulo Anaximandro (610/ 547 A.C.), afirmava
que o princípio de todas as coisas é o Ápeiron, algo que pode ser compreendido
hoje como ilimitado. Esse Ápeiron constitui a base de uma massa infinita que
forma o cosmos e todas as coisas. Esse pensamento foi novamente questionado
pelo seu sucessor Anaxímenes (588 / 524 A.C.), que acreditava que a origem de
todas as coisas era o ar e dele se formavam todos os elementos do universo. Outro
filósofo deste período pré-socrático, também da Escola de Milteto é Pitágoras
(570 / 495 A.C.). Para Pitágoras o número é o regente das formas e ideias. Esses
filósofos Milesianos explicam a natureza das coisas a partir de um elemento, no
entanto os seguidores de Pitágoras buscavam a partir dos números explicar todas
as coisas. Para Pitágoras o destino controla o todo e a parte.
Logo
em seguida temos Heráclito de Éfaso(535-475 A.C.) e Parmênedes(515-445 A.C.),
da Escola Eleática. Heráclito manifesta de forma óbvia seu debruçar sobre os
aspectos intuitivos, valorizando as relações sensitivas. Heráclito valorizava
percepção humana sobre o mundo, por seus sentidos naturais. A tese sustentada
por Heráclito fala de um mundo em constante transformação e movimento. As
consequências deste pensamento coloca seu protagonista, Heráclito, em franco
confronto com a Escola Eleática, que muitas vezes fundamenta seus pontos de
vista tomando os preceitos filosóficos sustentados por Heráclito como
referência, com objetivo claro de contrapor e desconstituir os argumentos de
sustentação de suas ideias. O pensamento de Heráclito ficou conhecido pela
frase “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Por essas perspectivas se
colocava contrário aos filósofos da Escola de Mileto, que defendiam as coisas
pela sua essência, algo que se perdia com a ideia de movimento de Heráclito.
Para ele tudo está em constante movimento e mudança, em permanente estado de fluxo.
Ao tempo que Parmênides debruçava força na razão, que os sentidos do corpo
humano nos enganam e pela razão encontramos a verdade. A partir da premissa de
que algo existe, no caso o “Ser”, Parmêndes concluiu que esse algo não poderia
também não existir, no caso o “Não Ser”. Muito influenciado pela lógica de
Pitágoras, Parmênides deduz que é impossível existir o vazio. Assim, o algo não
pode surgir do nada, pois sempre existiu alguma coisa, de alguma forma. Uma
visão estática que afirma que existe algo de permanente, portando com ausência
de movimento. Uma clássica relação de antagonismo entre o movimento de
Heráclito e a estática de Parmênides. Para
Zenão de Eleia, discípulo de Parmênides, a ideia de percurso é uma ilusão. Cita
como exemplo uma linha imaginária de movimento entre o ponto A e B. No entanto,
Zenão afirma que existe um meio termo entre A e B. Este meio intervalo, por sua
vez, possui também um meio intervalo e assim sucessivamente até o infinito. Essa
é uma das formas como Zenão afirma a impossibilidade da existência do
movimento. Essa ideia de movimento que percebemos é uma mentira produzida pelos
nossos sentidos que nos enganam. A verdade só é possível de ser percebida pela
razão, que pode lhe mostrar o que não muda.
Os
físicos posteriores acabam estudando as ideias contrapostas de Heráclito e
Parmênides e nos seu conjunto inauguram o atomismo, que teoriza que a natureza
se constitui de dois princípios fundamentais o átomo e o vazio. Nesse movimento
temos Empédocles de Agrigento (490 – 430 A.C.), que afirma que o fogo, a terra,
a água e o ar não mudam, por serem a base da existência. O que provoca mudanças
são outros dois elementos. O amor, que provoca a união e a criação das coisas e
a discórdia que desune e desfaz. Anaxágoras de Clazômenas (500 – 428 A.C)
sustenta que todas as coisas estavam estáticas até que a inteligência as
ordenou e criou todas as coisas. Nesse sentido ele sustenta que as Homeomerias
estão presentes em todos os corpos e assim permanecem apesar das mudanças.
Permanecem apenas as coisas elementares como o ouro, o fogo, a terra, o ar. O
movimento se dá pela agregação e desagregação das Homeomerias. E o período é
coroado com Demócrito de Abdera (460 – 370 A.C.), que sustenta que todas as
coisas são formadas de minúsculas partículas invisíveis e indivisíveis as quais
denominou de átomo. Para Demócrito o átomo só é possível de ser compreendido
pela inteligência. Ele distinguia o conhecimento em dois grupos: o inteligível,
único que possui legitimidade por saber que tudo é constituído de átomos e
vazio; e o sensível, que carece de credibilidade e validade no que tangem ao
conhecimento da verdade.
Um
dos discípulos de Demócrito foi Protágoras de Abdera (498 – 421 A.C), um dos
fundadores da escola sofística. Ao afirmar que “o homem é a medida de todas as
coisa, das que são pelo que são, das que não são pelo que são”, Protágoras
demonstra seu ponto de vista antropocentrista. Essa abordagem produz um
relativismo do conhecimento, na medida que cada pessoa o possuiria por suas
perspectivas. É a ideia de que cada ponto de vista é a vista de um ponto é
levada a sério de forma radical por Protágoras. Então para ele as perspectivas
diferentes aferem verdades distintas. Bom, por grande responsabilidade de Platão
e Sócrates, os sofistas foram muito criticados por vender o conhecimento, ao
cobrar em dinheiro pelas aulas. Por outro lado, existem releituras que buscam
valorizar as virtudes destes pensadores. No caso de Protágoras, é reconhecido
por defender um ensino em que a educação permite excelência em todas virtudes
políticas. Além da boa retórica, o pensamento de Protágoras produz um
relativismo das verdades e um ceticismo epistemológico, quando afirma a
impossibilidade de se manifestar sobre os deuses.
Já
Górgias de Leontini(485 – 380ª.C.), considerado o inventor da retórica e autor
de obras como Elogio a Helena, A defesa de Palamede, Do não ser, ou da
natureza. Seu pensamento contraria Parmênides e a Escola Eleástica. Bom, falar sobre o nihilismo epistêmico de
Górgias requer um pouco de esforço e imaginação. Em um primeiro momento ele
afirma que nada existe. Mesmo que existisse qualquer coisa, o homem não pode
apreendê-la, não podemos formulá-la nem comunica-la aos outros. Não existe o
ser, assim como não existe o não ser e menos ainda o ser e o não ser. Ele
justifica que se o não ser existe, ele pode existir ou pode não existir ao
mesmo tempo. O que seria estranho. Por óbvio o não ser não existe. Simples
assim.
Para
tratar do ser e a afirmação de Górgias de que o ser não existe, temos que
compreender que ele seria eterno ou engendrado, ou as duas coisas. Se é eterno
ele não foi gerado, se não foi gerado não existe. Mas tudo que foi engendrado
teve um começo, enquanto o que é eterno não pode ser inventado, mesmo de
maneira criativa, pois existiria desde sempre, e seria, portanto, ilimitado, e
o que é ilimitado não e encontra em nenhuma parte: se está em um lugar, esse
lugar é outro do que ele, estando abarcado por outra coisa. Se assim for, não é
ilimitado. Isso não faz sentido, pois se é eterno é ilimitado; se é ilimitado,
não está em parte alguma, se não está em parte alguma, ele não existe. O ser
não existe, pois não é eterno, nem engendrado, nem os dois ao mesmo tempo.
Essas são as bases para Górgias afirmar que nada existe, e se existisse, seria
não cognoscível ou mesmo não passível de ser concebido pelos homens. E em um
ataque direto a Parmênides e aos Eleatas, Górgias afirma que não há a homologia
entre pensar e ser, pois o ser não pode ser objeto de pensamento.
Mas
o conflito entre Physis e Nomos, talvez, consiga trazer uma perspectiva do que
foram os sofistas. O tema da justiça entre Physis (Natureza) e Nomos (lei), sob
o ponto de vista de três sofistas: Trasímaco, Cálicles e Antifonte. O
Transímaco sustentava que a justiça é o que convém ao mais poderoso, pois são
eles que legislam e fazem as leis. O Cálicles demarcava em favor de Physis ao
afirmar que o direito positivado tem a função de usurpar o que pertence, em
função de sua superioridade evidente o direito fundado na natureza, que tem, em
si, a condição de impor, sem restrições, seus desejos. Por aí ele conclui que a
lei e a natureza se contradizem. O Antifonte, por um lado defende as normas
positivadas, mas faz menção a importância fundamental da Physis, que impera se
a pessoa está ausente de sua comunidade, sugerindo que a justiça se justifica
nas relações sociais, mas não na solidão, quando o homem está só estará sob a
lei da natureza. As demais resultam de acordo e constituem o Nomos, as que são
naturais dispensam acordos, pois são necessárias.
Essa
perspectiva de filosofar sobre as coisas do mundo natural são brutalmente
modificadas a partir de Sócrates de Atenas (470-69 – 399 A.C.). Ele traz a
discussão do ser humano para o centro do cosmos. Afirma que o conhecimento é
interno, vem do interior da pessoa. Nesse sentido tem uma máxima que afirma
“conhece-te a ti mesmo”. O conhecimento se desenvolve internamente, por meio
das virtudes. E Sócrates ainda sustentava que uma pessoa que possuía uma
virtude compreenderia a justiça, a temperança, a coragem e a prudência, que
constituem as quatro virtudes cardeais.
A
moralidade de Sócrates valoriza o conhecimento como uma virtude do bem. Ele não
acredita que possa existir conflito entre paixão e razão. Nesse sentido, que
faz o bem é uma pessoa esclarecida e sábia, que manifesta em suas ações o
conhecimento. Quem age mal, demonstra não ter compreendido algo, ter ignorado a
verdade e quem faz isso sistematicamente é um ignorante.
Sócrates
não escreveu nada, tudo que sabemos dele são relatos de seus discípulo, entre
eles Platão. Seu conhecimento era passado em diálogos que poderiam acontecer em
qualquer lugar, com qualquer pessoa. O filósofo desenvolveu um método dialético
que consistia em afirmar que sabe que nada sabe. A irônica frase servia como
uma abertura de portas para que seu interlocutor pudesse se envaidecer de seus
conhecimentos e apresentar suas ideias. Logo em seguida Sócrates destacava as
imperfeições do pensamento em uma lógica de refutação e valorizava as ideias
que lhe faziam sentido. A conclusão partia com a convicção de que o resultado do
diálogo e o aprendizado havia brotado de dentro dele mesmo e que Sócrates havia
ajudado a encontrar. Sócrates chamava esse método de Maieutica, um tipo de
parto de ideias, que faz referência a mãe do filósofo que era parteira. Ao
consultar o Oráculo de Delfos, Sócrates questionou quem é o homem mais sábio do
mundo? A resposta apontou para ele e a ironia está em o homem mais sábio do
mundo afirmar que nada sabe. No entanto, Sócrates foi condenado à morte por
corromper jovens, não acreditar nos costumes gregos e de unir-se a deusas
malignos que gostam de destruir as cidades.
Com
a morte de Sócrates, seu discípulo Platão (472 / 347 A.C.) tomou para si a
tarefa de redigir o conhecimento que tinha aprendido com seu mestre. A primeira
obra foi Apologia, que se constitui de um relato da defesa de Sócrates em seu
julgamento. Platão, assim como Sócrates, procura buscar definições de valores
morais abstratos, como justiça ou virtude. Também, em seus trabalhos busca
demarcar sua contrariedade as ideias de Protágoras e o seu relativismo. Com o
objetivo de explicar seu mundo de formas e ideias perfeitas, Platão usa a
teoria do mito da caverna, na qual o conhecimento sobre o mundo é limitado a
sombras da realidade. A compreensão do conhecimento para Platão passa pela
alegoria do sol em que temos o mundo visível e o mundo inteligível. O que
representa o sol no mundo visível, é a ideia do bem no mundo inteligível. O que
é a luz no mundo sensível; representa a verdade no mundo inteligível. O são
objetos da visão, tais como as cores, no mundo visível; são objetos do
conhecimento no mundo inteligível, tais como as ideias. Os níveis de
conhecimento para Platão são apresentados na Alegoria da Linha, que também faz
a distinção entre o mundo visível e o mundo inteligível. O mundo inteligível é
regido pela EPISTEME, que pode ser compreendida como ciência, acompanhado da NOESES,
que representa a intelecção e DIANOIA, que representa a abstração. Já o mundo
sensível é regido pela DOXA, compreendida como opinião; que vem acompanhada da
PISTIS, que faz referência às crenças e EIKASIA, que significa imaginação. O
mito da caverna apresenta essas ideias e valores a partir da história das
pessoas que passam a vida a observar sombras da realidade. Algumas dessas
pessoas, num repente, despertaram ao ponto de virarem-se em direção a luz,
passando pela fogueira e indo até a abertura da caverna onde vê pela primeira
vez a luz do sol e todas as coisas como realmente são. Ao contemplar a imagem
da verdade a pessoa decide retornar à caverna para alertar os demais sobre essa
realidade, no entanto não é compreendido. Com isso Platão apresenta o papel do
filósofo na sociedade, assim como uma estrutura filosófica de pensamento que
permeia nossos costumes, muito presentes em nossa Nomos até os dias de hoje.
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