Para compreender o período dos
sofistas e de Sócrates, com alguma profundidade, é importante conhecer o
pensamento de Heráclito de Éfaso(535-475 A.C.) e Parmênedes(515-445 A.C.), da
Escola Eleática. Heráclito manifesta de forma óbvia seu debruçar sobre os
aspectos intuitivos, valorizando as relações sensitivas do homem observador da
natureza. Heráclito valorizava percepção humana sobre o mundo, por seus
sentidos naturais. A tese sustentada por Heráclito fala de um mundo em
constante transformação e movimento. As consequências deste pensamento coloca
Heráclito em franco confronto com a Escola Eleática, que muitas vezes
fundamenta seus pontos de vista tomando os preceitos filosóficos sustentados
por Heráclito como referência, com objetivo claro de contrapor e desconstituir
os argumentos de sustentação de suas perspectivas e ideias sobre a natureza das
coisas do mundo. Seguindo por esse
caminho, por essa perspectiva, tomaremos uma evidente rota de colisão com Parmênides.
No encontro de ideias, eis a relação. Claro, uma relação de contraste de
ideias, mas ainda uma relação.
O pensamento de Heráclito ficou
conhecido pela frase “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Por essas
perspectivas se colocava contrário aos filósofos da Escola de Mileto, que
defendiam as coisas pela sua essência, algo que se perdia com a ideia de
movimento de Heráclito. Para ele tudo está em constante movimento e mudança, em
permanente estado de fluxo. Ao tempo que Parmênides debruçava força na razão, que
os sentidos do corpo humano nos enganam e pela razão encontramos a verdade. A
partir da premissa de que algo existe, no caso o “Ser”, Parmêndes concluiu que
esse algo não poderia também não existir, no caso o “Não Ser”. Muito
influenciado pela lógica de Pitágoras, Parmênides deduz que é impossível
existir o vazio. Assim, o algo não pode surgir do nada, pois sempre existiu
alguma coisa, de alguma forma. Uma visão estática que afirma que existe algo de
permanente, portando com ausência de movimento. Uma clássica relação de
antagonismo entre o movimento de Heráclito e a estática de Parmênides.
Para ingressar na proposta da tarefa,
iniciamos a apresentação dos sofistas por Protágoras de Abdera (498 – 421 A.C),
o cara da desconstrução. Ao afirmar que “o homem é a medida de todas as coisa,
das que são pelo que são, das que não são pelo que são”, Protágoras demonstra
seu ponto de vista antropocentrista. Essa abordagem produz um relativismo do conhecimento,
na medida que cada pessoa o possuiria por suas perspectivas. É a ideia de que
cada ponto de vista é a vista de um ponto é levada a sério de forma radical por
Protágoras. Então para ele as perspectivas diferentes aferem verdades
distintas. Bom, por grande responsabilidade de Platão e Sócrates, os sofistas
foram muito criticados por vender o conhecimento, ao cobrar em dinheiro pelas
aulas. Por outro lado, existem releituras que buscam valorizar as virtudes
destes pensadores. No caso de Protágoras, é reconhecido por defender um ensino
em que a educação permite excelência em todas virtudes políticas. Além da boa retórica,
o pensamento de Protágoras produz um relativismo das verdades e um ceticismo
epistemológico, quando afirma a impossibilidade de se manifestar sobre os deuses.
Para fazer sentido com a proposta que
abre esse texto, surgem os contrastes de Górgias de Leontini(485 – 380ª.C.),
considerado o inventor da retórica e autor de obras como Elogio a Helena, A
defesa de Palamede, Do não ser, ou da natureza. Seu pensamento contraria
Parmênides e a Escola Eleástica. Bom,
falar sobre o nihilismo epistêmico de Górgias requer um pouco de esforço e
imaginação. Em um primeiro momento ele afirma que nada existe. Mesmo que
existisse qualquer coisa, o homem não pode apreendê-la, não podemos formulá-la
nem comunica-la aos outros. Não existe o ser, assim como não existe o não ser e
menos ainda o ser e o não ser. Ele justifica que se o não ser existe, ele pode
existir ao pode não existir ao mesmo tempo. O que seria estranho. Por óbvio o
não ser não existe. Simples assim.
Para tratar do ser e a afirmação de
Górgias de que o ser não existe, temos que compreender que ele seria eterno ou
engendrado, ou as duas coisas. Se é eterno ele não foi gerado, se não foi gerado
não existe. Mas tudo que foi engendrado teve um começo, enquanto o que é eterno
não pode ser inventado, mesmo de maneira criativa, pois existiria desde sempre,
e seria, portanto, ilimitado, e o que é ilimitado não e encontra em nenhuma
parte: se está em um lugar, esse lugar é outro do que ele, estando abarcado por
outra coisa. Se assim for, não é ilimitado. Isso não faz sentido, pois se é
eterno é ilimitado; se é ilimitado, não está em parte alguma, se não está em
parte alguma, ele não existe. O ser não existe, pois não é eterno, nem
engendrado, nem os dois ao mesmo tempo. Essas são as bases para Górgias afirmar
que nada existe, e se existisse, seria não cognoscível ou mesmo não passível de
ser concebido pelos homens. E em um ataque direto a Parmênides e aos Eleatas,
Górgias afirma que não há a homologia entre pensar e ser, pois o ser não pode
ser objeto de pensamento.
Mas o conflito entre Physis e Nomos,
talvez, consiga trazer uma perspectiva do que foram os sofistas entre outros
pré-socráticos que integraram nossa narrativa. O tema da justiça entre physis
(Natureza) e Nomos (lei), sob o ponto de vista de três sofistas: Trasímaco,
Cálicles e Antifonte. O Transímaco sustentava que a justiça é o que convém ao
mais poderoso, pois são eles que legislam e fazem as leis. O Cálicles demarcava
em favor de physis ao afirmar que o direito positivado tem a função de usurpar
o que pertence, em função de sua superioridade evidente o direito fundado na
natureza, que tem, em si, a condição de impor, sem restrições, seus desejos.
Por aí ele conclui que a lei e a natureza se contradizem. O Antifonte, por um
lado defende as normas positivadas, mas faz menção a importância fundamental da
Physis, que impera se a pessoa está ausente de sua comunidade, sugerindo que a
justiça se justifica nas relações sociais, mas não na solidão, quando o homem
está só estará sob a lei da natureza. As demais resultam de acordo e constituem
o Nomos, as que são naturais dispensam acordos, pois são necessárias.
Essa perspectiva de filosofar sobre
as coisas do mundo natural são brutalmente modificadas a partir de Sócrates de
Atenas (470-69 – 399 A.C.). Ele traz a discussão do ser humano para dentro do
cosmos. Afirma que o conhecimento é interno, vem do interior da pessoa. Nesse
sentido tem uma máxima que afirma “conhece-te a ti mesmo”. O conhecimento se
desenvolve internamente, por meio das virtudes. E Sócrates ainda sustentava que
uma pessoa que possuía uma virtude tinha compreenderia a justiça, a temperança,
a coragem e a prudência, que constituem as quatro virtudes cardeais.
A moralidade de Sócrates valoriza o
conhecimento como uma virtude do bem. Ele não acredita que possa existir
conflito entre paixão e razão. Nesse sentido, que faz o bem é uma pessoa
esclarecida e sábia, que manifesta em suas ações o conhecimento. Quem age mal,
demonstra não ter compreendido algo, ter ignorado a verdade e quem faz isso
sistematicamente é um ignorante.
Sócrates não escreveu nada, tudo que
sabemos dele são relatos de seus discípulo, entre eles Platão. Seu conhecimento
era passado em diálogos que poderiam acontecer em qualquer lugar, com qualquer
pessoa. O filósofo desenvolveu um método dialético que consistia em afirmar que
sabe que nada sabe. A irônica frase servia como uma abertura de portas para que
seu interlocutor pudesse se envaidecer de seus conhecimentos e apresentar suas
ideias. Logo em seguida Sócrates destacava as imperfeições do pensamento em uma
lógica de refutação e valorizava as ideias que lhe faziam sentido. A conclusão
partia com a convicção de que o resultado do diálogo e o aprendizado havia
brotado de dentro dele mesmo e que Sócrates havia ajudado a encontrar. Sócrates
chamava esse método de Maieutica, um tipo de parto de ideias, que faz
referência a mãe do filósofo que era parteira. Ao consultar o Oráculo de
Delfos, Sócrates questionou quem é o homem mais sábio do mundo? A resposta
apontou para ele e a ironia está em o homem mais sábio do mundo afirmar que
nada sabe. No entanto, Sócrates foi condenado à morte por corromper jovens, não
acreditar nos costumes gregos e de unir-se a deusas malignos que gostam de
destruir as cidades. O que nos mostra que a ideia de justiça tem um longo
caminho percorrido e, pelo que podemos compreender hoje, ainda nos reserva um
longo caminho pela frente.
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