segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A caridade que faz o ódio e o desprezo parecerem amor

Na década de 80 eu conversava com um amigo que ganhava a vida com venda de armas, na época legalizada. Nossos temas orbitavam a ideia de justiça social. Eu trabalhava no Jornal Eco do Sinos e as consequências das injustiças batiam na porta da redação. Ele era um importante membro da maçonaria, reconhecido organizador de ações no terceiro setor, que produzia muita caridade, seja pelo Lions Club, Rotary e algumas associações que subsidiavam combustível à polícia e Brigada Militar. 

Eu sempre gostei muito de conversar com ele. Principalmente porque não tínhamos a mesma leitura de mundo. Eu o compreendia como um conservador, que fazia de tudo para que as pessoas tivessem a sensação de movimento enquanto estavam paradas. Já que o real movimento poderia comprometer posições adquiridas e muitos privilégios que sempre são distribuídos entre amigos em silêncio.
Por outro lado, eu sempre fui muito bem quisto, pois tinha o poder de dar visibilidade à caridade. Para isso que ela serve, para ser vista tornando o filantropo uma pessoa admirada, geralmente pelas pessoas que explora, legitimando ainda mais seu domínio. Esse é o papel da caridade, que contrapõe o direito.
Eu já gestava, mesmo que de forma embrionária, a ideia de autonomia social do sujeito. Seguidamente recorria a parábola do pescador que não dá o peixe, mas ensina a pescar. Mas me deparava com o contraponto de que existem pessoas que não sabem pescar. Por isso eu sustentava a ideia da organização popular que eram contrapostas por um conceito iluminista aplicado na política partidária. Eu sustentava que somente um partido de massas poderia fazer frente a elite brasileira. Ele me desafiou citar na história um exemplo desse tipo. Na época eu me calava, pois essa história ainda não tinha acontecido. Não satisfeito ele afirmava que se caso ocorresse algo desse tipo, que essa elite poderia se tornar violenta.
Passei cerca de 30 anos vivendo tudo isso de forma muito intensa e hoje tenho a sensação de que essa conversa está muito atual. Eu vejo hoje o governo brasileiro retomando a caridade e desconstruindo direitos. Uma postura que contrasta muito com a ideia de que um País rico é um País sem pobreza. Hoje a justiça social não está mais representada nos governos. Esse é o rombo na canoa que os brasileiros embarcaram e só se darão conta quando estiverem em alto mar.

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