quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Algumas razões

 

Carta ao camarada Gustavo Souza

Camarada Gustavo, em conversa recente iniciamos um trabalho de cooperação para a realização de um projeto. Para tanto, neste início de caminhada, quero compartilhar algumas motivações que são possíveis de serem compreendidas nesta narrativa que emana valores que motivam e justificam a ação que nos propomos no projeto “A Vida Na Parede”. Combinamos para organizar a agenda após o ano novo. Antes disso, havia me comprometido de compartilhar essa narrativa. Eu penso em trabalhar com ela, pois ela edifica o ambiente para você dar continuidade a partir da experiência deste cultivo, desta cultura. Da cultura que cultiva a vida.

Um fraterno abraço,

30 de dezembro, de 2020



Algumas razões

 

Ao refletir sobre algumas inquietações e suas motivações lembrei que a questão já me intrigava quando tinha 11 ou 12 anos, quando procurava compreender as motivações de fazer uma horta. Eu vendia pão para ajudar no orçamento doméstico. Minha mãe havia ficado doente e as coisas complicaram. Eu morava na Feitoria, em São Leopoldo, quando tive contato com a rua vendendo pães e artesanatos em cerâmica. A comunidade nas periferias ainda trazem traços da vida rural, anterior ao convívio urbano, com hábitos de plantio e cultivo de hortas, de tomar banho em arroios, de pescar no rio e vasculhar o mundo em busca de árvores frutíferas. Embora envolto na atividade profissional, eu sempre estava atento procurando uma oportunidade de me divertir, experimentar e conhecer tudo para aprender muito rápido como sobreviver. As pessoas tinham suas estratégias e demonstravam total comprometimento em realizar essas tarefas, muitas vezes trabalhosas, de organizar o plantio e cultivo de uma horta. Eu observava aquele trabalho todo para colher pouca coisa, que na minha opinião, sequer eram necessárias à subsistência. Ao observar o valor dos vegetais na feira eu me convencia que é mais fácil comprar.

No entanto, eu ficava perturbado em não compreender as motivações que faziam aquelas pessoas tomarem outra decisão. Desconhecer esses motivos e argumentos tornou minha vida insuportável. Então venci a timidez de piá e fui falar com uma senhora que tinha uma horta, pois ela morava perto da minha casa, me conhecia e me dava café quando eu levava os pães que ela amava. A dona Terezinha tinha um sobrenome que parecia reunir todas as consoantes de forma aleatória sem nenhuma vogal, eventualmente repetindo algumas, tipo T, N e Z. Algo impronunciável, mas acho que era descendente de poloneses, pois lembro que terminava com “wsky”. Ela me falou sobre o fato de não ter veneno, que esses vegetais eram mais saudáveis. Logo lembrei da morte recente de meu avô, que havia falecido em decorrência de um câncer. Achei um bom argumento.

A razão não é suficiente para compreender as motivações humanas

O tal assunto não saia da minha cabeça, apesar de estar convencido que o motivo apresentado pela dona Terezinha era consistente e suficiente para compreender racionalmente suas motivações. A inquietação estava na consciência de saber que a razão não é suficiente para compreender as motivações humanas. Eu tinha essa intuição e isso me angustiava. Então segui conversando com as pessoas sobre hortas e seus motivos, sempre que possível, pois eu podia esquecer das inquietações em alguns momentos, mas bastava uma pequena pausa ou deitar a cabeça no travesseiro para ser acometido das inquietudes.

Uma das conversas que mais me marcou foi com a dona Marlene. Ela era diferente. Ela tinha 65 anos na época. Foi ela quem me falou pela primeira vez em racismo, quando avaliava uma situação que havia lhe relatado. Ela tinha uma religiosidade diferente e muito conhecimento, mas era diferente da dona Terezinha que trazia suas razões de forma clara, em plena sintonia com minha cultura. Eu descobri que sou descendente de indígenas e fiquei muito curioso em saber de qual tribo, mas não tinha a menor ideia sobre o assunto. Ela era descendente de uma família de afro-brasileiros. A dona Marlene sustentava na parede da sala sua foto de casamento e a foto de seus pais, que era uma foto que parecia pintada. Eles sempre moraram naquela área do bairro Feitoria Velha. A conversa sobre a horta com a dona Marlene aconteceu quando eu reclamei de dor no estômago e ela me ofereceu um chá. Então fomos juntos colher o tal chá e enquanto passávamos pela trilha entre os canteiros, ela falava sobre a farmácia que cultivava.

Não aprendi nada, mas aprendi tudo

Achei fantástico o conhecimento da dona Marlene. Mas não lembro uma só palavra do que ela me disse. O que não consigo esquecer e que eternizou sua presença em minha alma foi o amor ao cultivo da vida. Isso não é possível compreender em sua plenitude apenas lendo livros. A gente aprende quando faz. É constrangedor não fazer. Senti essa vergonha quando a dona Marlene disse que nem tudo na vida cabe no cálculo do dinheiro. E mostrou que, embora ela não tivesse grandes posses era capaz de fazer sua existência ser geradora de vida. Dessa forma, ela se afastava da ideia de um vida parasitária ou geradora de morte.

Quem devemos, por justiça social, enxergar

A dona Terezinha e a dona Marlene eram pessoas diferentes das demais, pois elas conseguiam me enxergar e eu me sentia acolhido com a paciência que me dedicavam. Sua dedicação era um evidente esforço ancorado no amor, que me deixava comprometido em lhe dar algum retorno, pois tudo que eu desejava era alimentar essa reciprocidade por toda a eternidade. Lembrei delas recentemente, pois elas parecem sussurrar em meus ouvidos e minha intuição causa uma grande angústia diante da tragédia social decorrente do fim do auxílio emergencial, que vem acompanhado dos impactos da perda de direitos das classes trabalhadoras, que estarão desamparadas pela decisão política do governo. Não é possível ficar indiferente ao sofrimento das pessoas, mesmo aquelas que, por algum vacilo, votaram errado. A questão será: como sobreviver?

O que dá pra fazer?

Ao compreenderem-se melhor no tecido social, as pessoas tendem a contribuir com a construção de um sistema organizado para que possam ofertar sua força produtiva e garantir sua subsistência nos ambientes urbanos. A política é responsável por isso, mas vivemos um momento péssimo no Brasil. A opção do governo priorizou o agronegócio, que teve resultados fantásticos, apesar da pandemia. Por outro lado, fomentou o Sistema Financeiro em detrimento da indústria de transformação. Como ninguém na vila trabalha em plantação de soja e sim na indústria de transformação, essa política é responsável pelo desemprego e crise social. Uma política que deixa o trabalhador com a “Vida na Parede”. Muita coisa pode ser feita, a começar pela plena compreensão do projeto político que está sendo ruim para a vida das pessoas. Além disso, é possível decidir por tomar posturas responsáveis, seja consigo mesmo, seja com a comunidade ou com o meio ambiente. Se cada um contribuir de alguma forma, a vontade de muitos pode mudar essa realidade. Eu, pessoalmente, penso em contribuir com algo que preserve o espírito da dona Marlene e o conhecimento da dona Terezinha, para que mais pessoas tenham a possibilidade de se relacionar com o hábito do cuidado, pelo cultivo de plantas medicinais e comestíveis.

Então...

Em ambientes urbanos, principalmente nos apartamentos populares, o espaço para o cultivo é algo que pode ser complexo. Nesse sentido, pensamos em organizar um jardim de cultivo vertical integrado no ambiente, com aproveitamento do espaço de cada um. Chamei alguns amigos e conversei sobre o assunto. Como resultado nasceu o programa “A Vida na Parede”, que consiste em viabilizar um jardim interno com plantas medicinais e comestíveis em apartamentos populares. Quem sabe a relação com o cultivo e com a prática do cuidado, envolvendo a família beneficiada, possa contribuir como uma forma de superar as dificuldades vividas por essas pessoas? A relação com o cultivo da vida associada a ideia de subsistência, favorece o foco na superação dos problemas comuns e possibilita a criação de uma rede organizada e autônoma em torno dos temas do projeto “A Vida Na Parede”. O programa todo deve estar voltado aos trabalhadores que realmente estão “com a vida na parede”, sofrendo as consequências de um sistema político excludente, que aprofunda as diferenças sociais em um dos países mais desiguais do Planeta. Só a experiência decorrente da prática é capaz de gerar esse conhecimento. Um experimento que tem por objetivo desenvolver novas tecnologias sociais. Em base é isso.

Quero agradecer a sua disposição em viabilizar o programa lhe agregando o aspecto prático, que é fundamental para que seja uma realidade. Com isso, todo o contexto está aberto ao debate, para que possamos compreender as razões e todas as motivações possíveis para as melhores decisões políticas. 

Um fraterno abraço,

Charles Scholl

Ativista pelos

Direitos Humanos


sexta-feira, 24 de julho de 2020

O ÓDIO COMO ELEMENTO DE COESÃO E A RETOMADA DE POLÍTICAS FASCISTAS


Charles Scholl Carvalho


Resumo
A ascensão política da extrema direita no mundo na última década reintroduziu no cotidiano da política internacional o termo fascismo, que até então ficava restrito a livros de história ou a acontecimentos pontuais. O Brasil ingressou, em 2018, no rol de países governados por um líder populista, conservador, que nega os princípios do conhecimento científico. As posições do Presidente Jair Bolsonaro foram compartilhadas com o mundo em sua manifestação na Assembleia Geral da ONU, em 2019, onde declarou uma suposta luta contra o socialismo, que estaria prestes a se instalar no Brasil. Além da paranoia, seus argumentos se fundamentam na fé e na revelação divina, descartando a ciência. No discurso, presidente atribui sua missão de enfrentar o socialismo a um milagre, ocorrido quando sobreviveu a um atendado em que foi esfaqueado no decorrer de sua campanha eleitoral. O líder populista e conservador, com perfil autoritário, implementa uma política de violação dos Direitos Humanos, que obteve coesão eleitoral e apoio popular a partir da exploração do ressentimento com a política e do afeto do ódio, em contraponto a onda de cooperação promovida pela ONU, desde o fim da 2ª Guerra Mundial.

Palavras Chaves: Filosofia Política, fascismo, ódio, cooperação.  

Em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, o Brasil passou a integrar os países no mundo que elegeram representantes populistas ligados a extrema direita, que possuem em sua plataforma de trabalho, proposições que afrontam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento produzido pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro, de 1948, é o principal referencial de contrato social das sociedades ocidentais contemporâneas e representa um marco civilizatório para a humanidade. Foi redigida após a segunda guerra mundial e serviu de referência para a diversas constituições nacionais, entre elas a do Brasil.
O crescimento de partidos com perfis de extrema direita também ocorreu em diversos países no mundo. Nas Filipinas, desde 2016, com a eleição de Rodrigo Duterte[1], o país enfrenta acusações junto ao o Tribunal Internacional[2] de violações de direitos humanos promovidas por execuções extrajudiciais ligadas diretamente a política implementada pelo presidente filipino. Em sua carreira política, Rodrigo Duterte foi prefeito da cidade de Davao por décadas. Em sua experiência de gestão, Rodrigo foi bem avaliado, apesar de ter sido acusado de liderar um grupo que promovia execuções extrajudiciais chamado de “esquadrão da morte”, responsável por cerca de mil assassinatos. Uma campanha política focada no populismo de direita, com perfil fascista, em que um determinado grupo passa a agir independentemente dos processos legais e assume o Poder.
A tendência política anti-humanista e autoritária também pôde ser percebida na Turquia, onde o presidente Rocep Tayyip Erdogan[3], eleito em 2014, trocou o sistema político de governo de Parlamentarista para Presidencialista. Coma ampliação do poder, também se ampliaram as ações nacionalistas e a marginalização de minorias étnicas, tais como os curdos, apostando na política do confronto e da violação dos direitos humanos. Na Hungria, desde 2010, o primeiro ministro Viktor Orbán, que integra o partido conservador Fidesz[4], logrou vitória com ampla vantagem eleitoral. Seu sucesso nas urnas legitimou a adoção de políticas anti-imigração e o aumento da xenofobia. Seu governo também passou a ser alvo de denúncias de corrupção, de afronta às liberdades civis e de violar os direitos humanos das minorias. A mudança na composição da Suprema Corte húngara, que passou de oito integrantes para 15, concedendo ao partido de Orbán o poder de nomear juízes, tornou ainda mais evidente a denúncia que cai sobre o governo de desconstituir o processo de independência judicial no País.
Os posicionamentos nacionalistas e anti-humanistas são construídos em torno do ideal de segurança e proteção. Esses signos que permeiam as plataformas da extrema direita deram popularidade às políticas anti-imigração em diversos países, em todos os continentes, potencializando a ascensão de líderes populistas ligados a extrema direita. Crises locais, a exemplo do conflito na Síria[5], contribuíram, na última década, para o fechamento de fronteiras, ampliando a pressão sobre diversos países e criando uma das maiores crises humanitárias[6], segundo a Organização das Nações Unidas.
A ascensão de partidos de direita, com perfil populista e nacionalista afetou a política de diversos países, a exemplo da Polônia, Áustria, Suíça, Dinamarca, Noruega, Espanha, França e Inglaterra. Com o aumento das políticas nacionalistas, emergiram também os discursos contra a união europeia, redesenhando os blocos econômicos internacionais. O Reino Unido pautou sua política em torno do tema e favoreceu a vitória eleitoral, em 2019, de Boris Johnson, líder do Partido Conservador, que defendeu a proposta de ruptura do Reino Unido com o bloco europeu. Ainda na comunidade europeia, o partido conservador de direita Lei e Justiça (PiS), da Polônia, governa o país com ampla maioria no Parlamento e é conhecido, entre especialistas, como um partido que emerge da aliança entre o neonacionalismo e neofascismo.
O populismo alinhado aos setores conservadores passou a ter outras dimensões internacionais a partir da eleição de Donald Trump, como Presidente dos Estados Unidos, em 2016. Uma eleição emblemática, que trouxe novos termos ao vocabulário político, a exemplo das fake news e o ataque a imprensa, que se tornam características que permeiam a ação política dos demais líderes da extrema direita. Trump sustenta o discurso nacionalista, que reforça a polarização da sociedade com fortes ataques a seus oponentes, tal como procedeu quando efetivou o pedido de prisão de sua oponente política Hilary Clinton. Em sua gestão, Donald Trump retoma nos Estados Unidos a política externa conhecida como America first[7].  
O avanço das políticas conservadoras e nacionalistas associadas as posturas autoritárias, legitimam ações violentas dos órgãos de repressão. A violência policial, a tortura, o assassinato são sistematicamente legitimados na “guerra contra o inimigo”, tal como ocorreu no período posterior a Segunda Guerra Mundial, também conhecido como Guerra Fria[8]. No Brasil, com forte influência de Donald Trump, Bolsonaro organiza seu governo com a proposta de “destruir tudo”, que tenha sido produzido pelos seus oponentes políticos, responsáveis em transformar o Brasil em um País “socialista”, tal como manifestou na Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 24 de setembro, de 2019.
“Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo. Um Brasil que está sendo construído a partir dos anseios e dos ideais de seu povo. No meu governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a confiança do mundo, diminuir o desemprego, a violência e o risco para os negócios, por meio da desburocratização, da desregulamentação e em especial, pelo exemplo. Meu país esteve muito próximo do socialismo o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques interruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições”.
Ainda em seu discurso, Bolsonaro atacou seus oponentes políticos acusando a gestão do Partido dos Trabalhadores de produzir trabalho escravo na constituição do Programa Mais Médicos, desenvolvido em acordo com Cuba. Em sua acusação, faz questão de salientar que o trabalho escravo era aceito pelas entidades que representam os direitos humanos no Brasil, estendendo o espectro político da natureza de seu inimigo para além dos socialistas ao incluir os defensores dos direitos humanos. O rompimento do acordo com Cuba foi festejado em seu discurso como uma conquista do Brasil. Também fez ataques à Venezuela afirmando que os países tinham colaboração secreta na área da defesa nacional para a implantação de regimes socialistas. Nesse quesito, se disse aliado dos Estados Unidos para restabelecimento da democracia na Venezuela. Desde então, o presidente brasileiro tem se manifestado sistematicamente favorável a intervenção dos Estados Unidos na Venezuela. Logo disparou a frase “não pode haver liberdade política, sem que haja liberdade econômica”, e defende o livre mercado, privatizações e concessões no Brasil, em seu governo.  Bolsonaro reclamou da postura da imprensa internacional pela cobertura dos incêndios na Amazônia, qualificando o setor como imprensa sensacionalista. Para se legitimar perante as autoridades mundiais, o presidente brasileiro levou a índia Yasani Kalapalo, acompanhada de uma carta supostamente assinada por pessoas de sua aldeia, que legitimaria sua participação por uma nova política aos indígenas. Em seguida, afirmou que não irá ampliar as demarcações indígenas e atacou lideranças políticas já consolidadas no mundo, afirmando ter dado fim ao “monopólio do Cacique Raoni Metuktire[9]”. O presidente brasileiro encerrou seu discurso afirmando que seus adversários políticos corromperam as universidades brasileiras, as escolas e as empresas midiáticas do Brasil com sua ideologia. “A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que ele nos revestiu, deixando um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou”. Depois disse ser a própria prova de suas afirmações, por ter sobrevivido a um atentado promovido por um militante de esquerda e que só sobreviveu por um “milagre de Deus”.
Existem muitos problemas em relação ao discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, que apontam para uma postura política defasada e paranoica, quando remonta a polarização entre socialismo e capitalismo, que perdeu a ênfase com a queda do muro de Berlin[10] e o fim da União Soviética. O conjunto de símbolos presentes em sua manifestação, a exemplo da participação de uma índia para legitimar suas ações predatórias na Amazônia, estão distantes de qualquer motivação de cooperação entre os povos. Pelo contrário, criou obstáculos e confusões culturais que se desdobraram em um genocídio em curso das tribos indígenas, com o avanço do desmatamento ilegal na Amazônia. Seu pronunciamento acentuou suas posições políticas, que remontam os preceitos da política fascista, mas com características atualizadas. Os ressentimentos de forma generalizada, tais como os que ocorreram em decorrência das guerras mundiais, podem ser enfrentados a partir da cooperação, tal como defende a Organização das Nações Unidas. No entanto, também podem se transformar em ódio que alimenta preconceitos como o racismo, a homofobia, a xenofobia, que são as bases para tecer o fascismo tropical amplamente explorado por Bolsonaro.
O fascismo é uma ideologia política de extrema direita ultranacionalista e autoritária, que ganhou grande destaque na Europa, na primeira metade do século XX. É uma ideologia contrária ao marxismo, ao liberalismo e ao anarquismo. Defende o estado autoritário governado por um líder militarizado. Compreende a guerra, a violência como um meio para rejuvenescer a nação, com políticas que promovem o melhoramento da espécie e a eugenia. O Nazismo de Hitler na Alemanha e o Fascismo de Mussolini na Itália, são as experiências mais marcantes do fascismo nesse período.
Após duas guerras mundiais, a comunidade internacional criou, a partir da Liga das Nações[11], a Organização das Nações Unidas, que é uma organização intergovernamental que tem por objetivo principal promover a cooperação entre os países. A política de cooperação se fundamenta em princípios contratualistas[12], constituindo e influenciando os princípios da ação política, em que a principal virtude é a cooperação entre os povos para o melhor desenvolvimento humano.  A cooperação com elemento de coesão social, amplamente difundida em tratados internacionais promovidos pela ONU, em que o Brasil é signatário, passou a influenciar o espectro da política no Brasil. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º afirma os valores de igualdade e dignidade presentes e positivados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
Em uma síntese breve, podemos compreender que a política da cooperação pelo pleno desenvolvimento dos povos foi a alternativa criada para contrapor o espectro do fascismo no mundo. Na prática, a política da cooperação prioriza a construção de pontes, sejam elas tecnológicas, culturais ou físicas que permitem a comunicação entre povos apartados por algum obstáculo, seja físico ou cultural. Já o fascismo, na prática, prioriza a construção de muros, de obstáculos que impeçam algum inimigo externo agir em determinado território. Um inimigo que precisa ser eliminado para que o bem maior prevaleça. O que permeia e permite a coesão da atual política fascista em curso no Brasil é o afeto do ódio, que pode se desdobrar em diversas frentes coesas e dispostas à guerra. Ao julgar as manifestações do atual presidente e sua predileção ao fascismo, o Brasil tende a enfrentar períodos de “construção de muros” tecidos com ódio e preconceito que tendem a agravar as violações de direitos humanos, além do ataque predatório ao meio ambiente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1)       ARENDT, Hannah. O que é Política. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 2002.
2)       BARBOSA, Giovanna Galvani Catarina. Carta Capital. 5 Países que embarcaram na rota autoritária da extrema-direita em 2019. 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/mundo/5-paises-que-embarcaram-na-rota-autoritaria-da-extrema-direita-em-2019/>. Acesso em: 15 de maio. 2020.
3)       BETIM, Felipe e MARREIRO, Flávia. El Pais. O discurso de Bolsonaro na ONU, analisado e confrontado com dados. 2019. Disponível em:<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/24/politica/1569340250_255091.html>. Acesso em: 15 de maio. 2020.
4)       BRAY, Mark. ANTIFA: O Manual Antifascista. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
5)       HOBBES, Thomas. O Leviatã.
6)       MIGUEL, Luiz Felipe...[et al]. O Ódio como Política: a reinvenção da direita no Brasil. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.
7)       ROUSSEAU, Jean Jacques. Contrato social. Tradução de Pietro Nassetti. 3ª reimpressão. editora Martin Claret. 2010.
8)       SANZ, Juan Carlos. El País. ONU Alerta para o maior êxodo de civis sírios desde o início da guerra. 2020. Disponível em:< https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-18/onu-alerta-para-o-maior-exodo-de-civis-sirios-desde-o-inicio-da-guerra.html>. Acesso em: 15 de maio. 2020.
9)       WELLE, Deutsche. Onde o populismo de direita está no mundo. 2018. Disponível em:<https://www.dw.com/pt-br/onde-o-populismo-de-direita-est%C3%A1-no-poder-no-mundo/a-46065697>. Acesso em: 15 de maio. 2020.




[1]Rodrigo Duterte é um político e advogado filipino, atual presidente do seu país desde 2016. Em 30 de junho de 2016, ele foi eleito como o 16.º presidente das Filipinas com 16.601.997 votos, o que corresponde a 39% dos votos válidos pelo partido PDP-Laban.
[2]O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU).
[3]É o fundador do Partido da Justiça e Desenvolvimento e liderou-o em três vitórias eleitorais, a saber em 2002, 2007 e 2011 antes de sua vitória nas eleições presidenciais de 2014.
[4]O Fidesz-União Cívica Húngara é um partido nacional-conservador de direita húngaro. Atualmente, é o maior partido político da Hungria.
[5]A Guerra Civil Síria é um conflito interno em andamento na Síria, que começou como uma série de grandes protestos populares em 26 de janeiro de 2011 e progrediu para uma violenta revolta armada em 15 de março de 2011, influenciados por outros protestos simultâneos no mundo árabe.
[6]A Alta Comissária da ONU, Michele Bachelet, em fevereiro de 2020, faz um esforço diante do fracasso da diplomacia na Síria, para produzir um corredor humanitário aos civis, sem hostilidades. Para a construção deste corredor, Michelle evoca o Direitos Internacional Humanitário e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
[7]America First refere-se a uma política externa nos Estados Unidos que enfatiza o nacionalismo americano, o nacionalismo econômico e o unilateralismo, na rejeição de políticas internacionalistas. É a atual política oficial da administração do presidente Donald Trump. No seu auge, o America First conseguiu fazer uma marcha de 800 mil pessoas em Chicago em 1940.
[8]Guerra Fria foi um período de tensão geopolítica entre a União Soviética e os Estados Unidos e seus respectivos aliados, o Bloco Oriental e o Bloco Ocidental, após a Segunda Guerra Mundial.
[9]É um líder indígena brasileiro da etnia caiapó. É conhecido internacionalmente por sua luta pela preservação da Amazônia e dos povos indígenas.
[10]A queda do Muro de Berlim deu-se na passagem do dia 9 para o dia 10 de novembro de 1989. Esse acontecimento é marcante, pois foi o prenúncio da queda da República Democrática Alemã, a Alemanha Oriental, e da reunificação da Alemanha, separada em duas nações desde o final da Segunda Guerra Mundial. A queda do muro também foi parte do processo de queda do bloco comunista na Europa Oriental, que se iniciou a partir do final da década de 1980.
[11]Foi uma organização internacional, idealizada em 28 de abril de 1919, em Versalhes, nos subúrbios de Paris, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz.
[12] O contratualismo é uma teoria política e filosófica baseada na ideia de que existe uma espécie de pacto ou contrato social que retira o ser humano de seu estado de natureza e coloca-o em convivência com outros seres humanos em sociedade.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O que a infeliz frase de Lula nos diz?


Sim pessoal. Frase infeliz a do Lula. Como um líder, sua postura soou agressiva e rude, contrastando com seu discurso. No entanto, é um líder sem cargo ou responsabilidade direta em gerências de máquinas públicas. Então os danos de seu equívoco se estendem na medida de sua capacidade de liderança, que são extraordinariamente estratosféricas, sem nenhuma semelhança a qualquer autoridade política no Brasil. Quando ele pede desculpas e aponta que cometeu um erro, ele interrompe também os possíveis danos que sua desastrosa manifestação poderiam gerar. Sobra nesse contexto a manifestação dos que nutrem uma mágoa ideologizada. Ela é a manifestação de uma doença social que está presente. Podemos vê-la nas postagens deste episódio. Fracassam os que procuram atingir o Lula com o erro que ele cometeu, pois acabam falando mais sobre si mesmos do que a respeito da figura pública que ele representa.



Do que se trata?

"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou mão da existência da pandemia do "monstro do coronavírus" para atacar o governo de Jair Bolsonaro, supostamente "cego" para perceber que o Estado é o único capaz de combater a crise econômica atual. A declaração foi dada em entrevista da revista Carta Capital na última terça-feira (19)." - (versão e uso político no R7) https://noticias.r7.com/brasil/lula-ainda-bem-que-natureza-criou-esse-monstro-chamado-coronavirus-20052020?fbclid=IwAR0rFdw3MAPfCSGYN_2q2iy0QDGUwp9Qou2SBivak1JjfTTdWvc9-GglPQ0


Veja a posição após a live:
Usei uma frase totalmente infeliz. A palavra desculpa foi feita pra gente usar com muita humildade. Se algum dos 200 milhões de brasileiros ficou ofendido, peço desculpas. Sei o sofrimento que causa a pandemia, a dor de ter os parentes enterrados sem poder acompanhar.

https://www.facebook.com/Lula/videos/932387493886443/UzpfSTgzMjkyNDcyNDoxMDE1ODMwMDQ3NTYxNDcyNQ/




terça-feira, 19 de maio de 2020

A justiça como principal virtude, com John Rawls


Charles Scholl
As crises civilizatórias vividas pela humanidade no século XX, marcadas pelo signo do totalitarismo, produziram experiências traumáticas decorrentes de ataques com armas atômicas e duas guerras mundiais. Nesse contexto viveu o professor de Filosofia, da Universidade de Harvard, John Rawls, que contribuiu muito com a ideia de justiça entre os pensadores contemporâneos. Rawls faleceu em 2002, aos 81 anos, e foi autor de cinco grandes obras de filosofia, as quais, neste texto, abordaremos duas delas.  O destaque dado para as obras “Uma Teoria de Justiça” e “Liberalismo Político” são importantes pela determinação do autor em lidar com a política a partir de uma evidente perseguição às virtudes. Nesta trajetória, o filósofo nos deixa uma ressignificação da ideia de justiça, que permeia nossos cotidianos em contribuições que parecem não defasar, pelo contrário, se mantém atuais pela sua coerência com as ideias presentes de realização pessoal, social em uma sociedade multicultural.
Em sua obra “Uma Teoria de Justiça”, publicada em 1971, Rawls faz uma crítica à ética utilitarista ao sustentar os princípios universais, que podem ser positivados, lembrando o posicionamento político dos contratualistas modernos.  Nesse sentido, sugere uma ideia de contrato social, que tem a justiça como principal virtude. A justiça acaba por definir a força de cada instituição, ao legitimar sua autoridade política. Para favorecer a ideia presente em sua filosofia política, Rawls utiliza a analogia de uma “posição original”, que seria um início a partir do todo que se acumulou ao longo dos tempos. Desta forma, o filósofo não se prende as amarras ideológicas, que ao longo do século XX produziam grandes centros gravitacionais capazes raptar as possibilidades da compreensão humana em ideias simples, tal como ocorreu com o fascismo, com o nazismo e outros regimes totalitários, podendo focar prioritariamente a ideia de como poderiam nossas ações serem justas nessa situação hipotética de início da humanidade. Nesse início, os indivíduos decidem entrar em cooperação social.  Em um único ato, os sujeitos devem produzir os princípios de justiça, porém sem saberem onde e quem serão beneficiados. Esse desconhecimento sobre causa e efeito do sujeito sobre a regra, Rawls chama de “véu da ignorância”, que contribuiria com a ideia de uma justiça para todos, sem saber se teriam vantagem ou desvantagem perante as regras. Esse olhar tende a seguir o princípio da equidade, como uma referência clara de ação justa. A partir desta perspectiva, Rawls defende a justiça como equidade.
Por esse enfoque, Rawls decanta dois princípios básicos. O primeiro é o da liberdade igual, ou da igual liberdade, a qual considera o mais importante mantendo suas tradições liberais. Outro é o da igualdade democrática, que se constitui com o reconhecimento do princípio da diferença e o princípio da oportunidade justa. Ao tempo que a sociedade se debruça em garantir a liberdade máxima para cada indivíduo, tudo deve ser compatível com a liberdade de todos os demais. Com a ideia de justiça no centro das atenções de Rawls, o filósofo identifica as virtudes nas estruturas básicas da sociedade, tal como sua constituição política e seus principais acordos econômicos, pois são esses espaços que precisam, antes de tudo, sustentar a ideia de justiça. São esses mecanismos que distribuem direitos e deveres fundamentais, além de determinar a divisão das vantagens que decorrem da cooperação social. Desse modo, Rawls defende um contratualismo mais qualificado, que tem como referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é a síntese das primeiras virtudes universais positivadas.
Em 1993, John Rawls publicou uma atualização de sua filosofia política na obra “O liberalismo Político”. Neste trabalho, a justiça prevalece como a principal virtude perseguida por Rawls. O filosofo procura evidenciar seu distanciamento das abordagens morais, e justifica que suas contribuições priorizam o que é justo, não o que é moral, ético ou bom. Rawls busca apartar sua obra das demais ao contrastar pela ampla capacidade de produzir entendimentos de consenso entre a pluralidade característica das comunidades globais. É justamente a ideia de multiplicidade cultural, que justifica a necessidade de um “consenso sobreposto”, argumenta Rawls. Tomando a ideia da “esfera pública”, de Jürgen Habermas, o consenso sobreposto seria o resultado da razão pública de uma comunidade. Nesse espaço, é que se busca alcançar um entendimento entre os dissensos que resultam da pluralidade cultural constituidora do tecido social.  
O que torna ainda mais fascinante o trabalho de Rawls é o profundo comprometimento que ele tem com a produção de um consenso entre diversas partes potencialmente divergentes. Ao partir da premissa da pluralidade como algo naturalmente presente na constituição dos tecidos sociais, Rawls consegue territorializar a existência do indivíduo em um ambiente plural, ressignificando seus elos relacionais, quando elabora o “consenso sobreposto”. As relações plurais, só são plurais pelo reconhecimento do conjunto de elementos singulares. A posição de Rawls parece querer desarticular possibilidades de regimes totalitários, que se caracterizam pelo uso do poder de forma injusta, cruel e desumana.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A QUEM INTERESSA COMBATER OS DIREITOS HUMANOS?


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E POLÍTICA
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA A DISTÂNCIA
DISCIPLINA: OFICINA DE ENSINO DE FILOSOFIA
PROF: PEDRO LEITE







A QUEM INTERESSA COMBATER OS DIREITOS HUMANOS?
UMA BREVE ANÁLISE SOBRE OS DISCURSOS NAS ELEIÇÕES DE 2018 NO BRASIL






CHARLES SCHOLL CARVALHO
UAB – 04
MATRÍCULA 17201734
contatoesparta@gmail.com





INTRODUÇÃO

O Brasil realizou suas eleições ordinárias federais em 2018, para os cargos no Poder Executivo de presidente da república, vice-presidente da república e governadores dos estados. No Poder Legislativo foram escolhidos pelos brasileiros os senadores, deputados federais e deputados estaduais. As políticas públicas de Estado adotadas nas últimas décadas produziram mudanças históricas na distribuição de renda e avanços no cumprimento das garantias constitucionais dos brasileiros, ao qualificar o acesso à saúde, educação e assistência social. Tais políticas públicas viraram objeto da disputa eleitoral entre os setores políticos que defendiam a ampliação do estado de direito e os que defendiam o estado-mínimo, flexibilização de direitos e a redução de programas sociais.
Em meio a disputa eleitoral, o debate político entre os candidatos relativizou um conjunto histórico de direitos adquiridos pelos brasileiros trabalhadores em dois séculos de conquistas, tais como os direitos trabalhistas conquistados na era Vargas[1]. Além do ataque aos direitos trabalhistas, os Direitos Humanos viraram alvo principal de um dos candidatos que representa um campo conservador.
O candidato que ameaçava a democracia prometendo uma intervenção militar, que compôs com um vice-presidente que é general do Exército, defendia o fim dos direitos humanos e o fim de garantias trabalhistas, galgou a vitória eleitoral no Brasil. A relativização dos direitos perece nos apontar uma certa anomia e uma crise institucional brasileira, que tem chamado a atenção do mundo, com prisões políticas, assassinato e uma deturpação completa da ideia de Direitos Humanos. Em meio a esse cenário, este artigo busca abordar as origens dos Direitos Humanos com o objetivo de enfrentar a aparente anomia brasileira revelada neste processo eleitoral e possíveis motivações das campanhas em realizar os ataques aos direitos.

ELEIÇÕES E ESTADO DE EXCEÇÃO
   As campanhas eleitorais de 2018 tiveram início no dia 18 de agosto. O objeto que analisamos neste artigo irá se debruçar sobre a eleição majoritária ao Governo Federal, principalmente nos desdobramentos do segundo turno. No entanto, as eleições de 2018 foram atípicas por serem as primeiras eleições realizadas no Brasil após o Congresso Nacional ter destituído a Presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores por um suposto crime administrativo popularmente conhecido como  pedaladas fiscais. Ocorre que a prática da pedalada fiscal é um recurso administrativo corriqueiro e usual na máquina estatal, que consiste em tomar recursos de bancos públicos para saldar o pagamento de programas sociais, tal como o programa Bolsa Família[2] e posteriormente repor. A prática é usual em prefeituras, estados e é utilizada até hoje pelo Governo Federal. Em virtude desta evidente farsa política ocorrida em 2016, assumiu a Presidência da República o vice-presidente Michel Temer, do PMDB. A ação foi protagonizada em meio a uma crise política que tinha como pivô central o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do MDB, que ao ser contrariado por Dilma abriu o processo de Impeachment que a tiraria do poder. Desde então, o Brasil vive em um estado de exceção, que se arrastaria até as eleições de 2018, com a implementação de um programa de gestão do Estado defendido por Aécio Neves, do PSDB, que havia perdido as eleições para Dilma Rousseff. Com isso, o governo de Michel Temer passou a contar com a participação direta do PSDB e seu plano de gestão de Estado.  
O Partido dos Trabalhadores chegou à Presidência da República no Brasil com o 35º Presidente de sua história republicana, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 1º de janeiro, de 2003, sucedendo o Governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Seu governo foi reeleito e criou os mais avançados mecanismos de combate a corrupção já vistos na história brasileira, com o empoderamento da Polícia Federal e do Ministério Público. O presidente Lula governou de 2003 a 2011 e foi sucedido pela Presidenta Dilma Rousseff. No dia 17 de março de 2014, em Curitiba, teve início uma operação anticorrupção liderada pelo juiz Sérgio Moro, denominada de operação Lava Jato. A operação é conhecida como a maior investigação de corrupção da história do Brasil.
O nome da operação deve-se ao uso de um posto de combustíveis para movimentar valores de origem ilícita, investigada na primeira fase da operação, na qual o doleiro Alberto Youssef foi preso. Através de Youssef, constatou-se sua ligação com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, preso preventivamente na segunda fase. Seguindo essa linha de investigação, prendeu-se Nestor Cerveró, um engenheiro químico da Petrobrás, em 2015, que depois delatou outros. Em junho, a operação atingiu grandes empreiteiras brasileiras, como a Andrade Gutierrez e Odebrecht, cujos respectivos presidentes, Otávio Azevedo e Marcelo Odebrecht, foram presos; posteriormente, muitas outras empresas de ramos diversos seriam investigadas. Ao longo de seus desdobramentos, entre outras pessoas relevantes que acabaram sendo presas graças à operação, incluem-se o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), o ex-senador Delcídio do Amaral(PT), o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha(MDB), os ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci(PT) e Guido Mantega, o publicitário João Santana, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu(PT), o empresário Eike Batista e, em abril de 2018, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e o atual governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB).
A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi questionada internacionalmente, por ter sido feita sem provas em meio a um processo com inúmeras dúvidas levantadas por organismos internacionais ligados às Organizações das Nações Unidas. É considerada uma prisão política engendrada pelo juiz Sérgio Moro, que tinha por objetivo retirar Lula das eleições de 2018, sendo que o ex-presidente liderava as pesquisas eleitorais que apontava sua vitória já no primeiro turno. A frase proferida pelos acusadores que afirmavam “não ter provas, mas convicção”, dita em uma apresentação que ficou conhecida como a tese do Power Point, protagonizada pelo Procurador da República, Daltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato, estarreceu juristas de todo o Planeta. Sem Lula, o Partido dos Trabalhadores concorreu com o professor Fernando Haddad em uma aliança com o PC do B, que tinha Manuela D’ávila como vice-presidenta. A decisão do PT foi tomada a poucos dias do processo eleitoral, pois até então mantinha Lula como candidato a Presidência da República, apesar de preso.
Mesmo sem Lula, o Partido dos Trabalhadores chegou ao segundo turno, polarizado com o candidato do Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, que tinha como vice o General do Exército, Hamilton Mourão. Nesta polarização política, Fernando Haddad defendia a retomada das políticas de Estado adotadas pelo ex-presidente Lula, que promoveu o desenvolvimento e o pleno emprego, com um mecanismo que gerava riquezas e enfrentava as históricas disparidades sociais e econômicas presentes no tecido social brasileiro. Assim nos mostra a matéria do Jornal O Globo, do dia 3 de maio, de 2011, com o título: “Governo Lula reduziu pobreza do país em 50,6%, mostra estudo”. Os dados são da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com resultados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que segundo o economista Marcelo Neri, da FGV, com esses números o Brasil superou a meta do milênio.
Por conta do golpe de estado contra Dilma Rousseff e a implementação de um programa antipopular, com restrições de direitos, diminuição da máquina pública, a população passou a perceber os sintomas da crise. A retirada da moeda de circulação, com a economia favorecendo os rentistas em detrimento do capital produtivo, afetou a economia e a produtividade, gerando uma massa de desempregados. A restrição dos programas sociais colocaram novamente o Brasil no mapa internacional da fome, pois um dos méritos do Governo Lula foi ter tirado o país da nefasta lista internacional.
Os detentores do poder atribuíam a crise percebida pela população a uma herança deixada pelos governos do PT, em amplas campanhas publicitárias que defendiam o enxugamento da máquina estatal e o fim dos programas sociais. Além da flexibilização das leis trabalhistas para a retomada do emprego. A campanha de Jair Bolsonaro passou a contar com mecanismos ilegais de distribuição de notícias falsas por redes sociais, com apoio econômico de empresários que nutriam uma neurose de um ataque comunista ao Brasil. No curto período de tempo da campanha eleitoral, os boatos não tinham como ser desmentidos e os veículos de comunicação de massa lavaram as mãos para atender interesses imediatos de seus empreendimentos. As notícias falsas tinham conteúdos absurdos, tal como a distribuição de mamadeiras em formato de pênis nas escolas em um kit gay, que continha também livros que tratariam da educação sexual de crianças. O livro chegou a ser apresentado em rede nacional durante uma entrevista de Jair Bolsonaro, no Jornal Nacional, da Rede Globo. Este fato foi desmentido, mas pesquisas posteriores apontam que 85% das pessoas acreditaram na existência do kit gay.
Uma verdadeira tsunami de mentiras encontrou ressonância com os escândalos de corrupção promovendo no eleitorado uma perda de referências que relativizou princípios muito caros à civilização contemporânea, tal como as campanhas contra os Direitos Humanos. O processo eleitoral legitimou o racismo, a misoginia, a violência sexual contra as mulheres, a homofobia em discursos de ódio que foram comparados a uma onda fascista no Brasil. Esse complexo cenário, completamente poluído pelas relações de interesse dos veículos de comunicação de massa, tornaram, no senso comum, os Direitos Humanos algo terrível que precisava ser combatido. Os professores foram transformados em criminosos formadores de “esquerdopatas” que eram responsáveis pela crise nacional. O juiz Sergio Moro vazou depoimentos de Antônio Palocci contra o PT às vésperas das eleições em versões que não se confirmaram até o momento. Além disso, emergia nesse debate uma proposta fundamentalista denominada Escola Sem Partido, que de fato é a escola do pensamento único sustentada pela ideologia da extrema direita que disputava o poder. Ao final das eleições, Jair Bolsonaro se tornou o novo Presidente da República no Brasil, com 57.797.847 votos, representando 55,13% dos votos válidos; e Fernando Haddad ficou com 47.040.906 votos, representando 44,87% dos votos válidos.
Em meio a esse cenário, ao tomar a distância necessária da crise para tentar compreendê-la, é possível identificar a retomada das prisões políticas no Brasil, além do assassinato de Marielle Franco[3], do PSOL que ocorreu também por motivações políticas no Rio de Janeiro. Tanto Lula, quanto Marielle, guardadas suas proporções, eram ativistas dos Direitos Humanos em seus programas de gestão do Estado. Defendiam o Estado democrático de direito e, especialmente, Marielle era uma mulher, negra, líder de periferias no Rio de Janeiro. Marielle se tornou alvo de Jair Bonsolnaro e de seus seguidores, que em campanha eleitoral chegaram a arrancar e quebrar uma placa em via pública que homenageava a vereadora assassinada impunemente. A tese de Mestrado em Administração, escrita por Marielle, na Universidade Federal Fluminense se intitulava “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: Uma Análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”. Em suas considerações finais Marielle deixa clara a política que defendia:
“Ao final deste trabalho, arrisca-se afirmar que o mais correto, se estivesse em jogo uma alteração qualitativa na política de Estado e de Segurança Pública, seria nominar as UPPs de Unidades de Políticas Públicas, por se tratarem de uma necessária mudança cultural em territórios nos quais a presença do Estado não ocorre na completude.”(Pag.123-Tese de Mestrado – Franco Marielle – Universidade Federal Fluminense).  
Fica bastante evidente a vulnerabilidade do sistema democrático em uma população sem senso crítico, poluída por inverdades e motivada à cultura do esquecimento, que lhe reserva a grande possibilidade de sustentar governos autoritários pelo mais absoluto abandono de sua história. A relativização dos Direitos Humanos presentes nesse processo nos deixa grandes questões: O que são direitos humanos? Como surgiram e de onde vieram?
A HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a história dos direitos humanos inicia com o Rei Persa, Ciro II O Grande, em 539 a.C.. Em 1879, foi descoberto o Cilindro de Ciro, que foi traduzido pela ONU e distribuído para todos os países em 1971. Atualmente o objeto encontra-se exposto em um museu britânico. Antes de Ciro, as populações eram vulneráveis à tirania daquele que vencesse a guerra. Se a pessoa estava no lado certo se dava bem, se estava no lado de quem perdia a batalha virava escravo ou corria risco de ser morto. Porém, quando Ciro tomou a cidade da Babilônia libertou os escravos e permitiu a liberdade religiosa dos povos de seu império, que fora o maior até então conhecido pela humanidade.
As ideias de Ciro II se espalharam pela Índia, Grécia e Roma. Em Roma, foi quando se teve a ideia de que existe uma Lei Natural, que é seguida por todos, mesmo por aqueles que desconheciam os códigos legais. A ideia da lei natural foi debatida ao longo da história da humanidade contra os detentores do poder até que em 1215, o Rei João, da Inglaterra redigiu a “Carta Magna”. A redação desta carta garantia o direito da existência da igreja sem interferências do governo, além de afirmar que todos os cidadãos livres tinham direito de herdarem a propriedade privada e de serem protegidos de impostos excessivos. O documento foi redigido mediante pressão dos súditos do Rei João, após a majestade ter contrariado e violado inúmeros costumes populares. Nesta Carta Magna também encontramos o estabelecimento do princípio de um processo legal que colocava todos em igualdade perante a lei e condenava subornos e a má conduta oficial. Nem mesmo o Rei poderia contrariar a Carta Magna assinada por ele.
 Em 1628 o Parlamento Inglês avançou e instituiu mais um marco histórico do direito, com o objetivo de proteger a população das arbitrariedades dos modelos políticos absolutistas vigentes na época. Nesse ano o Parlamento Inglês redigiu a Petição de Direito, contendo quatro princípios de liberdades civis. O primeiro afirmava que nenhum tributo poderia ser imposto sem o consentimento do Parlamento Inglês. O segundo afirmava que nenhum súdito poderia ser encarcerado sem o motivo demonstrado, quando se reafirmou o princípio do direito de habeas corpus. O terceiro proibia o aquartelamento de soldados nas casas dos cidadãos. E o quarto afirmava que a Lei Marcial não poderia valer em tempos de paz. Os direitos postos na Petição do Parlamento Inglês tinham por objetivo limitar a ação autoritária característica no absolutismo monárquico.
Com a declaração de independência dos Estados Unidos, em 1776, no dia 4 de julho, o Congresso aprovou um documento histórico sob a liderança de Thomaz Jefferson que anunciava que as 13 colônias americanas não faziam mais parte do Império Britânico. O documento ainda enaltecia os direitos individuais e o direito a revolução. Essas ideias se difundiram internacionalmente influenciando também o Continente Europeu. A declaração de independência apontava os contorno da ideia de direito que compreendemos hoje e certamente influenciou o advento da Revolução Francesa. Em 1787 foi formulada, em um verão na Filadélfia, a Constituição dos Estados Unidos. É a mais antiga constituição nacional escrita que está vigente até os dias de hoje. Ela estabelece os principais órgãos de governo e suas jurisdições e os direitos básicos dos cidadãos. Ainda nos Estados Unidos, em 1791, entrou em vigor, no dia 15 de dezembro, a Declaração de Direitos, que é composta pelas 10 primeiras emendas que limitam os poderes do Governo Federal e protege os direitos de todos os cidadãos, residentes e visitantes no território dos Estados Unidos. Neste capítulo da história do direito é possível perceber que a estrutura foi criada para impedir estados autoritários.
No Continente  Europeu, em 1789, mais especificamente na França, foi firmado mais um capítulo da história do direito com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O documento foi redigido pela Assembleia Constituinte Nacional como o primeiro passo para a redação da Constituição da República da França. O fato ocorreu seis semanas após a queda da Bastilha e três semanas depois da abolição do feudalismo. O documento garante direitos de liberdade, a propriedade, a segurança e resistência à opressão. Mesmo na Revolução Francesa os direitos emergem com o objetivo de proteger o povo de ações arbitrárias de seus governos, garantindo um conjunto de direitos que se estendem a todas as pessoas. No entanto, a ideia do direito sempre se mantinha nos limites territoriais do governo que o definia.
Foi em Genebra, em 1864, que essa lógica do direito tomou proporções que envolveram diversos governos, com a pretensão de estabelecer regras universais. A Convenção de Genebra foi adotada por 16 países europeus e vários estados americanos que tinha por objetivo proteger soldados feridos em guerras. Os fundamentos desta convenção foram mantidos em outras convenções futuras especificando a obrigação de ampliar o cuidado, sem discriminação, ao pessoal militar ferido ou doente, mantendo o respeito sobre os transportes de pessoal médico e equipamentos distinguidos pela cruz vermelha com um fundo branco. A iniciativa adotada pelo Conselho de Genebra abria as portas para uma futura convenção capaz de acordar entre as nações de todo o Planeta, um conjunto de direitos que poderiam ser considerados universais.
Porém, o século XX foi marcado pelo totalitarismo. Ainda assim, um jovem advogado indiano chamado Mahatma Gandhi enfrentou a violência desenfreada da humanidade em uma campanha para que todas as pessoas do Planeta tivessem direitos. Alguns países europeus começaram a concordar, mas duas guerras mundiais sepultaram suas ideias. Nunca a proposta dos Direitos Humanos esteve tão próxima da extinção, assim como a própria humanidade. Hitler, em uma das interfaces fascistas experimentadas pela humanidade, exterminou metade da população judaica da Terra em campos de concentração terríveis, com o advento do Holocausto. Nunca o mundo esteve tão desesperado por mudanças, quando diversos países do Planeta criaram a Organização das Nações Unidas (ONU), com o propósito de reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e valor da pessoa humana.
  Em uma Assembleia Geral da ONU, sob a coordenação de Eleonor Roosevelt, viúva de Franklin Roosevelt, que sempre foi uma defensora dos direitos humanos, conseguiu organizar as forças necessárias para sistematizar em 30 artigos um documento semelhante a Carta Magna, com caráter internacional que serviria a toda a humanidade. O documento foi adotado no dia 10 de dezembro de 1948 e denominado Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pela primeira vez na história da humanidade um documento reunia, desde o Cilindro de Ciro II, uma compilação de direitos universais que foram pactuados pela Organização das Nações Unidas. Esse documento é a principal referência para as constituições de diversas nações do Mundo. O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil é fortemente influenciado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.  
No entanto, essa formalidade toda não impede que pessoas continuem morrendo de fome, que tenhamos governos autoritários, que tenhamos regimes escravos, discriminação racial, xenofobia, posturas políticas que promovem verdadeiros genocídios nas populações humanas. Sabemos das motivações da humanidade, ao longo de sua história, de esculpir o que conhecemos hoje como os Direitos Humanos. Podemos deduzir as intenções de quem se sente diminuído ao ter que respeitar a humanidade, seus direitos e compreende essa plataforma ética positivada como um entrave em seus planos. Podemos compreender que governos autoritários, que promovem a escravidão, a injustiça social, a destruição do meio ambiente, a desvalorização étnico racial, que promove o machismo subordinando as mulheres a salários inferiores na mesma função de homens, com jornadas de trabalho dobradas, sem o devido reconhecimento de seus direitos na hora da aposentadoria. Da mãe progenitora que fica com o encargo de cuidar de seus filhos ao tempo que o homem se desprende do núcleo familiar e nada contribui gerando pobreza, sofrimento e injustiças. Governos que assim podem identificar os Direitos Humanos como um entrave aos seus planos.
BRASIL, DIREITOS HUMAOS E O MUNDO
A comunidade internacional demonstra grande preocupação com a onda fascista que assola a sociedade brasileira. A legitimação das violações dos direitos humanos tomadas como plataforma de campanha de Jair Bolsonaro provocaram reações em Genebra. No dia 29 de agosto, do corrente ano, o alto comissário da Organização das Nações Unidas, Zeid Al Hussein, em uma entrevista coletiva divulgada pelo Jornal Estado de São Paulo, qualifica o discurso de Bolsonaro como perigoso. No curto prazo para minorias e no médio e longo prazos para o Brasil como um todo. As políticas econômicas adotadas no período pós golpe de 2016 já afetam a população como um todo, promovendo a concentração de renda, que torna ainda mais ricos uma pequena parcela da população ao tempo que emerge um amplo contingente de miseráveis, desempregados e desassistidos.
A realidade brasileira é motivo de preocupação por defensores da democracia e dos direitos humanos de todo o Planeta. Nos dias 17 e 18 de novembro, do corrente ano, em Buenos Aires, na Argentina, aconteceu a reunião do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, em que um de seus temas centrais foi a realidade brasileira. Nos dias 19 a 23 de novembro, seguiu-se em Buenos Aires a 8ª Conferência Latino-americana e Caribenha de Ciências Sociais com o tema: “As lutas pela igualdade, pela justiça social e pela democracia em um mundo turbulento”. Nesse período foi realizado o Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico, em uma reação a onda conservadora que assola o Planeta. O Brasil foi um dos principais protagonistas deste encontro internacional, que contou com a ex-presidenta Dilma Rousseff, Manuela D’ávila e Guilherme Boulos, que foi candidato a presidência da república pelo PSOL, nos principais painéis para falar para uma plateia de cerca de 50 mil pessoas de todo o mundo.
Eu participei das atividades em Buenos Aires e as faixas de recepção do evento traziam palavras de ordem como: “Lula Livre” e “Marielle Vive”. Lá eu presenciei o esforço desta comunidade internacional de acadêmicos ligados às ciências sociais em desenvolver mecanismos e estruturas que possam frear o avanço dos governo autoritários, que disseminam o ódio e buscam edificar um clima de guerra no Planeta. Diante da passividade e da legitimidade dada pela sociedade brasileira ao governo fascista que se apresenta, nos faz crer que os espaços educativos sejam as últimas fronteiras da civilidade.
No entanto, os horizontes nos mostram caminhos turbulentos e imprevisíveis. Confirmando as teses do golpe de estado, o juiz Sergio Mouro, que prendeu Lula, será o Ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Tudo indica que o procurador da Lava Jato, Daltan Dallagnol, também deve integrar seu governo. Um corpo reconhecidamente corrupto incorporou o primeiro escalão e trabalhará ao lado de Sérgio Mouro sem nenhum questionamento. Além dos corruptos, o governo também contará com um grupo de generais militares que foram colocados na articulação política com o congresso. O chefe da Casa Civil, Onix Lorenzone é réu confesso em esquemas de corrupção e a cada dia fica mais evidente que Jair Bolsonaro é a sucessão de Michel Temer, que também deve permanecer em seu governo, assim como o MDB. Os planos desta gestão estão focados na entrega do petróleo e das riquezas naturais do Brasil, além de subjugar o desenvolvimento do povo brasileiro aos interesses orientados pelos Estados Unidos, que outrora foram frustrados com a queda da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que está sendo reeditada por dentro do próprio governo brasileiro. Ao concluir este artigo, a notícia corrente nos veículos de comunicação é a flagrante subserviência de Bolsonaro ao Governo de Donald Tramp, para quem o presidente brasileiro presta continências.
Em sua palestra no Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos fez referência a falta de autocrítica por parte dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores no Brasil. Em um esforço para atender a provocação do sociólogo, talvez seja importante relembrar que se não produzimos uma educação libertadora, pouco importa a melhora nas condições sociais e econômicas. Pois quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é um dia ser opressor. Penso nisso a todo momento quando vejo meus colegas de aula, que estão tendo a oportunidade de fazer um curso superior na Universidade Federal de Pelotas, no Polo UAB 04, por conta das políticas implementadas por Lula, que revolucionou o acesso ao ensino superior no Brasil. No entanto, preferem acreditar que o melhor é o estado-mínimo e os cortes dos investimentos sociais, sem compreender que esse corte lhe custará seu próprio curso. Se isso ocorre na minha sala de aula, podemos deduzir como o relativismo generalizado, a falta de senso crítico abalou a estrutura cultural da sociedade brasileira.
No entanto, um dos palestrantes do Primeiro Fórum Mundial do Pensamento Crítico, ex-presidente da Colômbia, Ernesto Samper, ao trazer essa desconfortável realidade, lembrou a todos que “o período mais escuro de uma noite acontece uma hora antes do amanhecer”. É uma mensagem de esperança que remonta a luta e o exemplo de Mahatma Gandhi e sua importância histórica para que a ideia dos Direitos Humanos pudesse resistir a duas guerras mundiais e se consolidar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um exemplo de resistência que deve servir aos brasileiros que tendem a enfrentar um período político de autoritarismo, de segregação econômica e social.     





Referências bibliográficas
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WEISSHEIMER Marco. Portal Sul 21. Golpe, estado de exceção e repressão nas ruas: a democracia brasileira em 2016. dezembro, 2016. Disponível em: < https://www.sul21.com.br/areazero/2016/12/golpe-estado-de-excecao-e-repressao-nas-ruas-a-democracia-brasileira-em-2016/>. Acesso em novembro. 2018.
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Portal G1. Desigualdade de renda para de cair no Brasil após 15 anos, e número de pobres cresce, aponta ONG. Novembro, 2018. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/11/26/desigualdade-de-renda-para-de-cair-no-brasil-apos-15-anos-e-numero-de-pobres-cresce-aponta-ong.ghtml>. Acesso em novembro. 2018.
Portal estadão: Discurso contra direitos humanos de Bolsonaro é “perigoso”, diz alto comissário da ONU. 29 agosto, 2018. Disponível em: < https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,discurso-contra-direitos-humanos-de-bolsonaro-e-perigoso-diz-representante-da-onu,70002478093>. Acesso em novembro. 2018.



[1] Em 1943, editou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), um conjunto de normas criadas desde os anos 30 para proteger o trabalhador. 
Getúlio fez uma comissão para estudar a legislação trabalhista e compilar aquelas regras num único texto de lei. 
As leis criadas no governo de Getúlio Vargas determinaram: 
- criação do salário mínimo e da carteira de trabalho;
- jornada diária de 8 h; 
- direito a férias anuais remuneradas; 
- descanso semanal e direito à previdência social;
- regulamentação do trabalho do menor e da mulher. 
[2] O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda do Governo Federal, sob condicionalidades, instituído no Governo Lula pela Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003[1], convertida em lei em 9 de janeiro de 2004, pela Lei Federal n. 10.836,[2] que unificou e ampliou diversos programas anteriores de transferência de renda.
[3] O assassinato de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, foi um crime executado no dia 14 de março de 2018, no Estácio, região central da cidade. Os criminosos estavam em um carro que emparelhou com o da vereadora e efetuaram vários disparos, que também mataram o motorista. Embora em fase inicial, a investigação conduzida pelas autoridades aponta para motivações políticas.