sexta-feira, 24 de julho de 2020

O ÓDIO COMO ELEMENTO DE COESÃO E A RETOMADA DE POLÍTICAS FASCISTAS


Charles Scholl Carvalho


Resumo
A ascensão política da extrema direita no mundo na última década reintroduziu no cotidiano da política internacional o termo fascismo, que até então ficava restrito a livros de história ou a acontecimentos pontuais. O Brasil ingressou, em 2018, no rol de países governados por um líder populista, conservador, que nega os princípios do conhecimento científico. As posições do Presidente Jair Bolsonaro foram compartilhadas com o mundo em sua manifestação na Assembleia Geral da ONU, em 2019, onde declarou uma suposta luta contra o socialismo, que estaria prestes a se instalar no Brasil. Além da paranoia, seus argumentos se fundamentam na fé e na revelação divina, descartando a ciência. No discurso, presidente atribui sua missão de enfrentar o socialismo a um milagre, ocorrido quando sobreviveu a um atendado em que foi esfaqueado no decorrer de sua campanha eleitoral. O líder populista e conservador, com perfil autoritário, implementa uma política de violação dos Direitos Humanos, que obteve coesão eleitoral e apoio popular a partir da exploração do ressentimento com a política e do afeto do ódio, em contraponto a onda de cooperação promovida pela ONU, desde o fim da 2ª Guerra Mundial.

Palavras Chaves: Filosofia Política, fascismo, ódio, cooperação.  

Em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, o Brasil passou a integrar os países no mundo que elegeram representantes populistas ligados a extrema direita, que possuem em sua plataforma de trabalho, proposições que afrontam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento produzido pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro, de 1948, é o principal referencial de contrato social das sociedades ocidentais contemporâneas e representa um marco civilizatório para a humanidade. Foi redigida após a segunda guerra mundial e serviu de referência para a diversas constituições nacionais, entre elas a do Brasil.
O crescimento de partidos com perfis de extrema direita também ocorreu em diversos países no mundo. Nas Filipinas, desde 2016, com a eleição de Rodrigo Duterte[1], o país enfrenta acusações junto ao o Tribunal Internacional[2] de violações de direitos humanos promovidas por execuções extrajudiciais ligadas diretamente a política implementada pelo presidente filipino. Em sua carreira política, Rodrigo Duterte foi prefeito da cidade de Davao por décadas. Em sua experiência de gestão, Rodrigo foi bem avaliado, apesar de ter sido acusado de liderar um grupo que promovia execuções extrajudiciais chamado de “esquadrão da morte”, responsável por cerca de mil assassinatos. Uma campanha política focada no populismo de direita, com perfil fascista, em que um determinado grupo passa a agir independentemente dos processos legais e assume o Poder.
A tendência política anti-humanista e autoritária também pôde ser percebida na Turquia, onde o presidente Rocep Tayyip Erdogan[3], eleito em 2014, trocou o sistema político de governo de Parlamentarista para Presidencialista. Coma ampliação do poder, também se ampliaram as ações nacionalistas e a marginalização de minorias étnicas, tais como os curdos, apostando na política do confronto e da violação dos direitos humanos. Na Hungria, desde 2010, o primeiro ministro Viktor Orbán, que integra o partido conservador Fidesz[4], logrou vitória com ampla vantagem eleitoral. Seu sucesso nas urnas legitimou a adoção de políticas anti-imigração e o aumento da xenofobia. Seu governo também passou a ser alvo de denúncias de corrupção, de afronta às liberdades civis e de violar os direitos humanos das minorias. A mudança na composição da Suprema Corte húngara, que passou de oito integrantes para 15, concedendo ao partido de Orbán o poder de nomear juízes, tornou ainda mais evidente a denúncia que cai sobre o governo de desconstituir o processo de independência judicial no País.
Os posicionamentos nacionalistas e anti-humanistas são construídos em torno do ideal de segurança e proteção. Esses signos que permeiam as plataformas da extrema direita deram popularidade às políticas anti-imigração em diversos países, em todos os continentes, potencializando a ascensão de líderes populistas ligados a extrema direita. Crises locais, a exemplo do conflito na Síria[5], contribuíram, na última década, para o fechamento de fronteiras, ampliando a pressão sobre diversos países e criando uma das maiores crises humanitárias[6], segundo a Organização das Nações Unidas.
A ascensão de partidos de direita, com perfil populista e nacionalista afetou a política de diversos países, a exemplo da Polônia, Áustria, Suíça, Dinamarca, Noruega, Espanha, França e Inglaterra. Com o aumento das políticas nacionalistas, emergiram também os discursos contra a união europeia, redesenhando os blocos econômicos internacionais. O Reino Unido pautou sua política em torno do tema e favoreceu a vitória eleitoral, em 2019, de Boris Johnson, líder do Partido Conservador, que defendeu a proposta de ruptura do Reino Unido com o bloco europeu. Ainda na comunidade europeia, o partido conservador de direita Lei e Justiça (PiS), da Polônia, governa o país com ampla maioria no Parlamento e é conhecido, entre especialistas, como um partido que emerge da aliança entre o neonacionalismo e neofascismo.
O populismo alinhado aos setores conservadores passou a ter outras dimensões internacionais a partir da eleição de Donald Trump, como Presidente dos Estados Unidos, em 2016. Uma eleição emblemática, que trouxe novos termos ao vocabulário político, a exemplo das fake news e o ataque a imprensa, que se tornam características que permeiam a ação política dos demais líderes da extrema direita. Trump sustenta o discurso nacionalista, que reforça a polarização da sociedade com fortes ataques a seus oponentes, tal como procedeu quando efetivou o pedido de prisão de sua oponente política Hilary Clinton. Em sua gestão, Donald Trump retoma nos Estados Unidos a política externa conhecida como America first[7].  
O avanço das políticas conservadoras e nacionalistas associadas as posturas autoritárias, legitimam ações violentas dos órgãos de repressão. A violência policial, a tortura, o assassinato são sistematicamente legitimados na “guerra contra o inimigo”, tal como ocorreu no período posterior a Segunda Guerra Mundial, também conhecido como Guerra Fria[8]. No Brasil, com forte influência de Donald Trump, Bolsonaro organiza seu governo com a proposta de “destruir tudo”, que tenha sido produzido pelos seus oponentes políticos, responsáveis em transformar o Brasil em um País “socialista”, tal como manifestou na Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 24 de setembro, de 2019.
“Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo. Um Brasil que está sendo construído a partir dos anseios e dos ideais de seu povo. No meu governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a confiança do mundo, diminuir o desemprego, a violência e o risco para os negócios, por meio da desburocratização, da desregulamentação e em especial, pelo exemplo. Meu país esteve muito próximo do socialismo o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques interruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições”.
Ainda em seu discurso, Bolsonaro atacou seus oponentes políticos acusando a gestão do Partido dos Trabalhadores de produzir trabalho escravo na constituição do Programa Mais Médicos, desenvolvido em acordo com Cuba. Em sua acusação, faz questão de salientar que o trabalho escravo era aceito pelas entidades que representam os direitos humanos no Brasil, estendendo o espectro político da natureza de seu inimigo para além dos socialistas ao incluir os defensores dos direitos humanos. O rompimento do acordo com Cuba foi festejado em seu discurso como uma conquista do Brasil. Também fez ataques à Venezuela afirmando que os países tinham colaboração secreta na área da defesa nacional para a implantação de regimes socialistas. Nesse quesito, se disse aliado dos Estados Unidos para restabelecimento da democracia na Venezuela. Desde então, o presidente brasileiro tem se manifestado sistematicamente favorável a intervenção dos Estados Unidos na Venezuela. Logo disparou a frase “não pode haver liberdade política, sem que haja liberdade econômica”, e defende o livre mercado, privatizações e concessões no Brasil, em seu governo.  Bolsonaro reclamou da postura da imprensa internacional pela cobertura dos incêndios na Amazônia, qualificando o setor como imprensa sensacionalista. Para se legitimar perante as autoridades mundiais, o presidente brasileiro levou a índia Yasani Kalapalo, acompanhada de uma carta supostamente assinada por pessoas de sua aldeia, que legitimaria sua participação por uma nova política aos indígenas. Em seguida, afirmou que não irá ampliar as demarcações indígenas e atacou lideranças políticas já consolidadas no mundo, afirmando ter dado fim ao “monopólio do Cacique Raoni Metuktire[9]”. O presidente brasileiro encerrou seu discurso afirmando que seus adversários políticos corromperam as universidades brasileiras, as escolas e as empresas midiáticas do Brasil com sua ideologia. “A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que ele nos revestiu, deixando um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou”. Depois disse ser a própria prova de suas afirmações, por ter sobrevivido a um atentado promovido por um militante de esquerda e que só sobreviveu por um “milagre de Deus”.
Existem muitos problemas em relação ao discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, que apontam para uma postura política defasada e paranoica, quando remonta a polarização entre socialismo e capitalismo, que perdeu a ênfase com a queda do muro de Berlin[10] e o fim da União Soviética. O conjunto de símbolos presentes em sua manifestação, a exemplo da participação de uma índia para legitimar suas ações predatórias na Amazônia, estão distantes de qualquer motivação de cooperação entre os povos. Pelo contrário, criou obstáculos e confusões culturais que se desdobraram em um genocídio em curso das tribos indígenas, com o avanço do desmatamento ilegal na Amazônia. Seu pronunciamento acentuou suas posições políticas, que remontam os preceitos da política fascista, mas com características atualizadas. Os ressentimentos de forma generalizada, tais como os que ocorreram em decorrência das guerras mundiais, podem ser enfrentados a partir da cooperação, tal como defende a Organização das Nações Unidas. No entanto, também podem se transformar em ódio que alimenta preconceitos como o racismo, a homofobia, a xenofobia, que são as bases para tecer o fascismo tropical amplamente explorado por Bolsonaro.
O fascismo é uma ideologia política de extrema direita ultranacionalista e autoritária, que ganhou grande destaque na Europa, na primeira metade do século XX. É uma ideologia contrária ao marxismo, ao liberalismo e ao anarquismo. Defende o estado autoritário governado por um líder militarizado. Compreende a guerra, a violência como um meio para rejuvenescer a nação, com políticas que promovem o melhoramento da espécie e a eugenia. O Nazismo de Hitler na Alemanha e o Fascismo de Mussolini na Itália, são as experiências mais marcantes do fascismo nesse período.
Após duas guerras mundiais, a comunidade internacional criou, a partir da Liga das Nações[11], a Organização das Nações Unidas, que é uma organização intergovernamental que tem por objetivo principal promover a cooperação entre os países. A política de cooperação se fundamenta em princípios contratualistas[12], constituindo e influenciando os princípios da ação política, em que a principal virtude é a cooperação entre os povos para o melhor desenvolvimento humano.  A cooperação com elemento de coesão social, amplamente difundida em tratados internacionais promovidos pela ONU, em que o Brasil é signatário, passou a influenciar o espectro da política no Brasil. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º afirma os valores de igualdade e dignidade presentes e positivados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
Em uma síntese breve, podemos compreender que a política da cooperação pelo pleno desenvolvimento dos povos foi a alternativa criada para contrapor o espectro do fascismo no mundo. Na prática, a política da cooperação prioriza a construção de pontes, sejam elas tecnológicas, culturais ou físicas que permitem a comunicação entre povos apartados por algum obstáculo, seja físico ou cultural. Já o fascismo, na prática, prioriza a construção de muros, de obstáculos que impeçam algum inimigo externo agir em determinado território. Um inimigo que precisa ser eliminado para que o bem maior prevaleça. O que permeia e permite a coesão da atual política fascista em curso no Brasil é o afeto do ódio, que pode se desdobrar em diversas frentes coesas e dispostas à guerra. Ao julgar as manifestações do atual presidente e sua predileção ao fascismo, o Brasil tende a enfrentar períodos de “construção de muros” tecidos com ódio e preconceito que tendem a agravar as violações de direitos humanos, além do ataque predatório ao meio ambiente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1)       ARENDT, Hannah. O que é Política. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 2002.
2)       BARBOSA, Giovanna Galvani Catarina. Carta Capital. 5 Países que embarcaram na rota autoritária da extrema-direita em 2019. 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/mundo/5-paises-que-embarcaram-na-rota-autoritaria-da-extrema-direita-em-2019/>. Acesso em: 15 de maio. 2020.
3)       BETIM, Felipe e MARREIRO, Flávia. El Pais. O discurso de Bolsonaro na ONU, analisado e confrontado com dados. 2019. Disponível em:<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/24/politica/1569340250_255091.html>. Acesso em: 15 de maio. 2020.
4)       BRAY, Mark. ANTIFA: O Manual Antifascista. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.
5)       HOBBES, Thomas. O Leviatã.
6)       MIGUEL, Luiz Felipe...[et al]. O Ódio como Política: a reinvenção da direita no Brasil. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.
7)       ROUSSEAU, Jean Jacques. Contrato social. Tradução de Pietro Nassetti. 3ª reimpressão. editora Martin Claret. 2010.
8)       SANZ, Juan Carlos. El País. ONU Alerta para o maior êxodo de civis sírios desde o início da guerra. 2020. Disponível em:< https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-18/onu-alerta-para-o-maior-exodo-de-civis-sirios-desde-o-inicio-da-guerra.html>. Acesso em: 15 de maio. 2020.
9)       WELLE, Deutsche. Onde o populismo de direita está no mundo. 2018. Disponível em:<https://www.dw.com/pt-br/onde-o-populismo-de-direita-est%C3%A1-no-poder-no-mundo/a-46065697>. Acesso em: 15 de maio. 2020.




[1]Rodrigo Duterte é um político e advogado filipino, atual presidente do seu país desde 2016. Em 30 de junho de 2016, ele foi eleito como o 16.º presidente das Filipinas com 16.601.997 votos, o que corresponde a 39% dos votos válidos pelo partido PDP-Laban.
[2]O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU).
[3]É o fundador do Partido da Justiça e Desenvolvimento e liderou-o em três vitórias eleitorais, a saber em 2002, 2007 e 2011 antes de sua vitória nas eleições presidenciais de 2014.
[4]O Fidesz-União Cívica Húngara é um partido nacional-conservador de direita húngaro. Atualmente, é o maior partido político da Hungria.
[5]A Guerra Civil Síria é um conflito interno em andamento na Síria, que começou como uma série de grandes protestos populares em 26 de janeiro de 2011 e progrediu para uma violenta revolta armada em 15 de março de 2011, influenciados por outros protestos simultâneos no mundo árabe.
[6]A Alta Comissária da ONU, Michele Bachelet, em fevereiro de 2020, faz um esforço diante do fracasso da diplomacia na Síria, para produzir um corredor humanitário aos civis, sem hostilidades. Para a construção deste corredor, Michelle evoca o Direitos Internacional Humanitário e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
[7]America First refere-se a uma política externa nos Estados Unidos que enfatiza o nacionalismo americano, o nacionalismo econômico e o unilateralismo, na rejeição de políticas internacionalistas. É a atual política oficial da administração do presidente Donald Trump. No seu auge, o America First conseguiu fazer uma marcha de 800 mil pessoas em Chicago em 1940.
[8]Guerra Fria foi um período de tensão geopolítica entre a União Soviética e os Estados Unidos e seus respectivos aliados, o Bloco Oriental e o Bloco Ocidental, após a Segunda Guerra Mundial.
[9]É um líder indígena brasileiro da etnia caiapó. É conhecido internacionalmente por sua luta pela preservação da Amazônia e dos povos indígenas.
[10]A queda do Muro de Berlim deu-se na passagem do dia 9 para o dia 10 de novembro de 1989. Esse acontecimento é marcante, pois foi o prenúncio da queda da República Democrática Alemã, a Alemanha Oriental, e da reunificação da Alemanha, separada em duas nações desde o final da Segunda Guerra Mundial. A queda do muro também foi parte do processo de queda do bloco comunista na Europa Oriental, que se iniciou a partir do final da década de 1980.
[11]Foi uma organização internacional, idealizada em 28 de abril de 1919, em Versalhes, nos subúrbios de Paris, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz.
[12] O contratualismo é uma teoria política e filosófica baseada na ideia de que existe uma espécie de pacto ou contrato social que retira o ser humano de seu estado de natureza e coloca-o em convivência com outros seres humanos em sociedade.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O que a infeliz frase de Lula nos diz?


Sim pessoal. Frase infeliz a do Lula. Como um líder, sua postura soou agressiva e rude, contrastando com seu discurso. No entanto, é um líder sem cargo ou responsabilidade direta em gerências de máquinas públicas. Então os danos de seu equívoco se estendem na medida de sua capacidade de liderança, que são extraordinariamente estratosféricas, sem nenhuma semelhança a qualquer autoridade política no Brasil. Quando ele pede desculpas e aponta que cometeu um erro, ele interrompe também os possíveis danos que sua desastrosa manifestação poderiam gerar. Sobra nesse contexto a manifestação dos que nutrem uma mágoa ideologizada. Ela é a manifestação de uma doença social que está presente. Podemos vê-la nas postagens deste episódio. Fracassam os que procuram atingir o Lula com o erro que ele cometeu, pois acabam falando mais sobre si mesmos do que a respeito da figura pública que ele representa.



Do que se trata?

"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou mão da existência da pandemia do "monstro do coronavírus" para atacar o governo de Jair Bolsonaro, supostamente "cego" para perceber que o Estado é o único capaz de combater a crise econômica atual. A declaração foi dada em entrevista da revista Carta Capital na última terça-feira (19)." - (versão e uso político no R7) https://noticias.r7.com/brasil/lula-ainda-bem-que-natureza-criou-esse-monstro-chamado-coronavirus-20052020?fbclid=IwAR0rFdw3MAPfCSGYN_2q2iy0QDGUwp9Qou2SBivak1JjfTTdWvc9-GglPQ0


Veja a posição após a live:
Usei uma frase totalmente infeliz. A palavra desculpa foi feita pra gente usar com muita humildade. Se algum dos 200 milhões de brasileiros ficou ofendido, peço desculpas. Sei o sofrimento que causa a pandemia, a dor de ter os parentes enterrados sem poder acompanhar.

https://www.facebook.com/Lula/videos/932387493886443/UzpfSTgzMjkyNDcyNDoxMDE1ODMwMDQ3NTYxNDcyNQ/




terça-feira, 19 de maio de 2020

A justiça como principal virtude, com John Rawls


Charles Scholl
As crises civilizatórias vividas pela humanidade no século XX, marcadas pelo signo do totalitarismo, produziram experiências traumáticas decorrentes de ataques com armas atômicas e duas guerras mundiais. Nesse contexto viveu o professor de Filosofia, da Universidade de Harvard, John Rawls, que contribuiu muito com a ideia de justiça entre os pensadores contemporâneos. Rawls faleceu em 2002, aos 81 anos, e foi autor de cinco grandes obras de filosofia, as quais, neste texto, abordaremos duas delas.  O destaque dado para as obras “Uma Teoria de Justiça” e “Liberalismo Político” são importantes pela determinação do autor em lidar com a política a partir de uma evidente perseguição às virtudes. Nesta trajetória, o filósofo nos deixa uma ressignificação da ideia de justiça, que permeia nossos cotidianos em contribuições que parecem não defasar, pelo contrário, se mantém atuais pela sua coerência com as ideias presentes de realização pessoal, social em uma sociedade multicultural.
Em sua obra “Uma Teoria de Justiça”, publicada em 1971, Rawls faz uma crítica à ética utilitarista ao sustentar os princípios universais, que podem ser positivados, lembrando o posicionamento político dos contratualistas modernos.  Nesse sentido, sugere uma ideia de contrato social, que tem a justiça como principal virtude. A justiça acaba por definir a força de cada instituição, ao legitimar sua autoridade política. Para favorecer a ideia presente em sua filosofia política, Rawls utiliza a analogia de uma “posição original”, que seria um início a partir do todo que se acumulou ao longo dos tempos. Desta forma, o filósofo não se prende as amarras ideológicas, que ao longo do século XX produziam grandes centros gravitacionais capazes raptar as possibilidades da compreensão humana em ideias simples, tal como ocorreu com o fascismo, com o nazismo e outros regimes totalitários, podendo focar prioritariamente a ideia de como poderiam nossas ações serem justas nessa situação hipotética de início da humanidade. Nesse início, os indivíduos decidem entrar em cooperação social.  Em um único ato, os sujeitos devem produzir os princípios de justiça, porém sem saberem onde e quem serão beneficiados. Esse desconhecimento sobre causa e efeito do sujeito sobre a regra, Rawls chama de “véu da ignorância”, que contribuiria com a ideia de uma justiça para todos, sem saber se teriam vantagem ou desvantagem perante as regras. Esse olhar tende a seguir o princípio da equidade, como uma referência clara de ação justa. A partir desta perspectiva, Rawls defende a justiça como equidade.
Por esse enfoque, Rawls decanta dois princípios básicos. O primeiro é o da liberdade igual, ou da igual liberdade, a qual considera o mais importante mantendo suas tradições liberais. Outro é o da igualdade democrática, que se constitui com o reconhecimento do princípio da diferença e o princípio da oportunidade justa. Ao tempo que a sociedade se debruça em garantir a liberdade máxima para cada indivíduo, tudo deve ser compatível com a liberdade de todos os demais. Com a ideia de justiça no centro das atenções de Rawls, o filósofo identifica as virtudes nas estruturas básicas da sociedade, tal como sua constituição política e seus principais acordos econômicos, pois são esses espaços que precisam, antes de tudo, sustentar a ideia de justiça. São esses mecanismos que distribuem direitos e deveres fundamentais, além de determinar a divisão das vantagens que decorrem da cooperação social. Desse modo, Rawls defende um contratualismo mais qualificado, que tem como referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é a síntese das primeiras virtudes universais positivadas.
Em 1993, John Rawls publicou uma atualização de sua filosofia política na obra “O liberalismo Político”. Neste trabalho, a justiça prevalece como a principal virtude perseguida por Rawls. O filosofo procura evidenciar seu distanciamento das abordagens morais, e justifica que suas contribuições priorizam o que é justo, não o que é moral, ético ou bom. Rawls busca apartar sua obra das demais ao contrastar pela ampla capacidade de produzir entendimentos de consenso entre a pluralidade característica das comunidades globais. É justamente a ideia de multiplicidade cultural, que justifica a necessidade de um “consenso sobreposto”, argumenta Rawls. Tomando a ideia da “esfera pública”, de Jürgen Habermas, o consenso sobreposto seria o resultado da razão pública de uma comunidade. Nesse espaço, é que se busca alcançar um entendimento entre os dissensos que resultam da pluralidade cultural constituidora do tecido social.  
O que torna ainda mais fascinante o trabalho de Rawls é o profundo comprometimento que ele tem com a produção de um consenso entre diversas partes potencialmente divergentes. Ao partir da premissa da pluralidade como algo naturalmente presente na constituição dos tecidos sociais, Rawls consegue territorializar a existência do indivíduo em um ambiente plural, ressignificando seus elos relacionais, quando elabora o “consenso sobreposto”. As relações plurais, só são plurais pelo reconhecimento do conjunto de elementos singulares. A posição de Rawls parece querer desarticular possibilidades de regimes totalitários, que se caracterizam pelo uso do poder de forma injusta, cruel e desumana.