domingo, 14 de dezembro de 2008

Política – uma grande decepção do nosso tempo / 2008

Em plena campanha eleitoral, no contato direto com as pessoas percebe-se a existência de um rancor intenso sobre o tema da política. Tal aversão não está relacionada às propostas e chapas que estão se apresen-tando em todas as cidades brasileiras, mas aquilo que elas representam em seu contexto histórico. Em maio do ano passado tive conhecimento do trabalho do francês Gilles Lipovetsky, que escreveu a obra “A sociedade da decepção” (Ed. Manole, 104 págs. R$ 49), que foi lançada no dia 21 daquele mês, em São Paulo. O tema merece ser relembrado pela agenda eleitoral que o povo brasileiro está submetido. Atualmente, os assuntos da política se tornam mais evidentes, tanto pela mobilização feita pelas pessoas envolvidas no processo eleitoral, quanto pela ampliação dos espaços midiáticos focados no tema.

Os veículos de comunicação possuem uma intervenção significativa sobre os comportamentos humanos em uma sociedade globalizada. Esse olhar está presente desde os primórdios do mundo globalizado quando se desenvolveram as teorias de gestão de multidões por instrumentos de comunicação. Atualmente, se dividirmos a percepção que temos do mundo em dois grupos esses seriam compostos pela experiência que vivenciamos e aquela que temos notícia. O mundo midiático se ocupa, basicamente, das informações que são obtidas sem a vivência sobre os fatos. As informações chegam até o sujeito através de veículos de comunicação. A forma e a abordagem sobre cada fato fundamentam as premissas da compreensão que temos da realidade mundial. A exceção dessa regra se limita a viajantes que registram suas ex-periências a partir da imersão ao meio, vivendo a experiência pessoalmente.

Os espaços midiáticos voltados à política neste período se ampliam na publicidade, na propaganda, nos artigos de opinião e nas notícias. Com isso, os assuntos da política adquirem uma ênfase diferenciada, com características sazonais sobre a opinião pública. O tema da política, que nos está sendo ofertado desde o café da manhã até a janta pelos veículos de comunicação é, para Lipovetsky, um dos que geram mais decepção em todos os países do mundo.

Em sua obra, o filósofo afirma que a decepção é uma experiência humana universal desde sempre. Porém, nas sociedades antigas ela era mais restrita. O desejo limitado, a cultura da resignação e um maior apego às práticas religiosas funcionavam como uma anestesia sobre o sistema psíquico dos indivíduos, limitando as dores da decepção. Com isso, Gilles contrasta com os resultados da sociedade moderna que fez explodir o sentimento de decepção. O desequilíbrio das pessoas e a desigualdade social são indústrias produtoras de frustrações. O filósofo francês chama isso de era hipermoderna, que tem como principal característica a intensidade das decepções, que são ofertadas em todos os lugares e níveis sociais.

A globalização extirpou a esperança revolucionária dos conceitos de Gilles, um militante pós-trotskista. Além da política, a escola lidera a lista das grandes decepções desde os tempos em que parou de ser a garantia de ascensão social. O filósofo não despreza a realidade dos jovens qualificados que trabalham em coisas que não correspondem a sua qualificação. De um modo geral, Gilles acredita que o walfare-state (sociedade de bem-estar), é uma sociedade de frustrações. O suicídio, a depressão, a ansiedade no trabalho e com os filhos são seus principais argumentos.
O que torna o pensamento de Gilles mais interessante é a afirmação de que a decepção das pessoas não ocorre por conta do consumo de bens materiais. Para ele, a decepção das pessoas não se dá pela impossibilidade de adquirir um Jaguar e sim pelo consumo cultural. Sob esse paradigma, Lipovetsky dispara contra a programação televisiva e justifica sua afirmação com o argumento da prática do zapping, ou melhor, a prática de trocar de canais. Pois a televisão foi feita para ser um espetáculo e o ato de ficar zapeando é a frustração de um espetáculo que não satisfaz. E por fim, Gilles atribui a pior decepção àquela que temos com as pessoas. Para ele, se enganam aqueles que pensam que o consumo é o principal responsável pela infelicidade humana.
O que frustra é a individualização do mundo, a relação com os outros e consigo mesmo. É a era do direito do homem e esse sempre será inferior ao desejo, afirma Gilles.

Mesmo diante do quadro caótico anunciado por Gilles, o filósofo francês não pode ser considerado um pessimista, já que a sociedade da decepção não é a da paralisia e tão pouco a da depressão. Ele se anima com as iniciativas das pessoas, com a ampliação das possibilidades de associações, o aumento do número de artistas. “É uma sociedade que relança a vida, que permite um recomeço”, conclui Lipovetsky.
Grande parte dos argumentos que sustentam o modo de pensar de Gilles se fundamentam em sociedades submetidas a existências midiáticas. A mídia produz a decepção cotidiana que sedimenta o solo firme da compreensão de uma sociedade da decepção. A saída para evitar a simples contaminação da neurose coletiva é reservar um espaço de nossas vidas para valorizar a percepção direta que temos sobre o mundo. É sair da condição de receptor passivo, conseqüente do cacoete hipodérmico das ciências da comunicação, para um modo de pensar mais ativo e crítico sobre os temas que estão sendo colocados no interior das nossas famílias.

Antes de sermos seres de uma sociedade que se informa a partir de veículos midiáticos, somos integrantes de núcleos familiares, de um bairro, de uma cidade, de um estado, de um pais e de um Planeta que tem uma vida útil - pelo menos para a humanidade. Ocorre que as informações que edificam os conceitos que temos sobre os grupos sociais em que vivemos são majoritariamente obtidos por meios midiáticos. Com isso, produzimos um sistema que se alimenta de si mesmo. O resultado prático é que a sociedade de consumo produz infelicidades em todas as fatias da pirâmide social. Nesse sentido, valoriza-se a campanha corpo a corpo em que as pessoas tomam conhecimento da agenda política na relação direta com os pretendentes aos cargos públicos. Isso, segundo Gilles, relançaria vida sobre o tema da política, apesar do desgaste que o assunto agrega neste momento histórico.

O tema da política trata, prioritariamente, das relações entre as pessoas. Como diz Hannah Arendt, a política não existe no indivíduo, mas entre indivíduos. Eis as bases da crise do tema e sua relação direta com o modus-vivendi de uma sociedade atomizada. Sendo assim, o melhor caminho é valorizar em nossas vidas as questões coletivas no seio da nossa família, em nosso bairro para que possamos nos sentir a própria cidade. Deixamos de olhar a política com rancor para percebê-la como uma virtude, um caminho para que a realidade de amanhã não seja a mesma que nos decepcionou.
Charles Scholl
diretor de comunicação da Prefeitura de Esteio
falecomcharles@pop.com.br

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