segunda-feira, 14 de setembro de 2015

As pessoas do trem que nada vêem

As pessoas no trem, em sua grande maioria, eventualmente espiam para fora de si no decorrer da viagem.  Quando ocorre revelam no olhar um profundo desespero.  Uma espécie de agonia da existência.  A maior parte do tempo as pessoas ficam fixadas no aparelho celular. Os fones nos ouvidos garantem o confinamento. Ou o teletransporte temporal por meio do bate-papo,  joguinho, redes sociais para escrever ao vento as emoções.
Nem sempre as emoções correspondem com a realidade.  Mas logo atribuímos uma razão qualquer àquilo que não cabe em nossa compreensão. No trem, em plena solidão em meio a multidão, um suspiro para oxigenar a fuga de seu desespero existencial. Postagens de afeto lançam sentimentos bons ao vento em busca de alguma conexão.  Todos têm sono.
Dá pra citar um exemplo, que pela memória congelei no tempo. Observei uma troca de lugares no trem.  Ao chegar em sua estação,  a moça de meia idade vagou um acento. O jovem que dormia de pé ao lado do banco que vagou lançou-se e garantiu seu sono, agora sentado.  Em frente a ele uma senhora ficou visivelmente indignada.  Porém, ao observar seus olhos percebi um desconforto diferente.  Olhei para o jovem e mostrei a ele a situação.  Imediatamente ele levantou para dar espaço à senhora enferma que cambaleava no corredor do trem.

É evidente que aquele jovem se portou de forma indelicada ao fazer uso de sua juventude e rapidez para conquistar a vaga no acento. Não se trata de maldade. Isso ocorreu pela forma como ele viaja no trem.  Atomizado, desconectado da realidade e imerso em um mundo virtual em que sublima suas angústias e torna confortável sua estadia neste mundo psicológico. Isso impede que ele veja as outras pessoas, embora esteja em meio a uma multidão. O que assusta é que as pessoas do trem podem permanecer assim após o desembarque. Na vida toda, eventualmente espiando para fora de si a realidade. 
Charles Scholl
14 de setembro de 2015.

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