domingo, 14 de dezembro de 2008

Entre o prazer e o direito, um elogio à emancipação das pessoas / 2007

Desde os primórdios da humanidade, os indivíduos perceberam que a força da ação coletiva é imbatível. Mesmo antes da escrita sabia-se que aqueles grupos que agiam de forma organizada teriam maiores chances de superar as adversidades cotidianas. A concepção consolidou um princípio que favoreceu a formação de tribos. Aquelas que se mostravam mais integradas em torno de suas estratégias de sobrevivência prevaleciam. Talvez esses princípios estejam registrados em algum lugar da nossa herança genética. É uma abordagem que merece aprofundamento, porém as premissas utilizadas mesmo que superficialmente apontam que a vida coletiva não é algo natural, como pode-se observar em outras espécies. O dilema da vida em comunidade é algo que afeta a humanidade desde sua pré-história.

As revoluções tecnológicas incidiram diretamente no comportamento das tribos, que se tornaram cidades-estado, reinos e, mais recentemente, concebeu-se o estado-nação. Com o aprimoramento tecnológico surgiram as indústrias, a produção em série e a concentração humana nos grandes centros urbanos. Por todo esse percurso os indivíduos trazem consigo as angústias decorrentes dos tencionamentos entre o desejo de cada um e a vida coletiva.

Para Anna Arendt, os conflitos entre o universo individual e o coletivo é mediado pela política. Em decorrência deste ponto de vista, Anna conclui que a política não está no homem, mas entre os homens. O momento de crise da política está diretamente relacionado a crise das civilizações. O individualismo passa a ser corrosivo ao desenvolvimento da humanidade quando viola os direitos humanos e o meio ambiente. O descrédito da política tem essa relação com o fracasso social. No século XX a humanidade viveu as experiências do totalitarismo genocida, racista, homofóbico e as grandes guerras mundiais. Nesse período a tecnologia foi determinante para que a falência da política fosse apresentada à humanidade, como a possibilidade de sua própria destruição. Os ataques nucleares imprimiram nova dinâmica entre as civilizações. Apesar das novidades tecnológicas, podemos identificar nas guerras mundiais o princípio que orientava as tribos antes mesmo da escrita. O sucesso de determinadas civilizações organizadas em seus respectivos territórios políticos, apesar de seu desenvolvimento tecnológico, manteve-se relacionada a capacidade de agir em conjunto com o conhecimento voltado à destruição e dominação do outro.
São motivos suficientes para qualquer pessoa ter aversão a política. Ocorre que essa contrariedade cria as condições ideais de controle sobre os indivíduos. Porém, o grande equívoco decorrente da negação da política está na fragilidade do indivíduo perante a força coletiva que se deposita nas mãos daqueles que não negam a política. Hoje, no Brasil pelo menos, o chefe é eleito pelos integrantes da tribo, seja no município, nos estados ou no território político da nação brasileira. O desafio de nossa nação é garantir para cada indivíduo as oportunidades fundamentais à vida. Somente assim é possível compreender esse espaço territorial como uma nação, pois não existe sociedade em que somente uma das partes é beneficiada.

A visão sobre os interesses coletivos são fundamentais para a coesão de um grupo de pessoas e a política é que mantém a liga do grupo entre si e com os outros indivíduos e grupos sociais. Desde as lideranças comunitárias até o Presidente da República é cobrada uma postura de direção, pois o simples porta-voz dos interesses locais não tende a prosperar. Prospera aquele que media os interesses locais e, para isso, muitas vezes abre mão de sua posição individual. A vida do comunista brasileiro, Luis Carlos Prestes e a história de amor com Olga Benário Prestes é um exemplo que pode ser experimentado ao assistir o filme “Olga”. Aliás, a reprodutibilidade técnica, as possibilidades tecnológicas de comunicação, o filme e a internet são maravilhas tecnológicas que podem favorecer o desenvolvimento humano e a emancipação das pessoas. Assim como a tecnologia nuclear pode salvar vidas e atender a demanda de energia de grandes centros urbanos, a mesma tecnologia é utilizada para a fabricação de bombas. As ferramentas são as mesmas, o que muda é a aplicação delas e a garantia da aplicação correta está na preservação dos direitos humanos em todas as circunstâncias. Quando uma pessoa sofre algum tipo de abuso, a violação dos direitos deste indivíduo diz respeito a todos integrantes de sua comunidade. A passividade diante da banalização da violência é o caminho da degeneração social. O contrário é a consolidação de uma sociedade justa e fraterna em que todos os cidadãos são portadores de direitos, sujeitos políticos capazes de mediar suas diferenças e cumprir seus deveres sociais. Agir em prol da emancipação das pessoas é construir o caminho para que possamos contar uma história diferente aos nossos filhos.

Charles Scholl
falecomcharles@pop.com.br

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