domingo, 22 de outubro de 2017

De onde vem essa solidão urbana em meio à multidão?

A relação da espécie humana com a natureza é algo intrigante e absurdamente distinta. As sociedades urbanas massificaram modelos de pensamento acerca deste tema sobre todos os continentes. Mas existem traços arqueológicos do pensamento humano que escapam dessa filosofia de vida amorfa e solitária, que nos imprime o cotidiano urbano. A ideia de tempo, de sobrevivência, e de relação com o mundo e com as pessoas pode nos parecer iguais, em qualquer parte do mundo. Penso que isso é um sintoma de uma sociedade global. Uma civilização globalmente doente que está matando o mundo, as culturas locais e a alma humana. E esse sintoma se tornou claro diante da pesquisa científica que resultou no documentário “Amazônia desconhecida”, dirigido Daniel Augusto e Eduardo Jabally.

O filme é rico em reflexão, questionamento e apresentação de conceitos diversos sobre civilização, humanidade, relações sociais e, principalmente, a relação da nossa cultura urbana com a natureza. Sem seguir o roteiro do documentário, penso em expor algumas questões que considero importantes pela sua natureza fundamental à compreensão da vida, dos sentidos que nos movem e a forma como nos relacionamos consigo mesmo, com nossas comunidades e com a mundo que vivemos.
Uma das informações curiosas apresentadas por antropólogos é que a civilização amazônica data de mais de 11 mil anos. Há cerca de oito mil anos a Amazônia acumulava uma população de cinco milhões de pessoas. Essa civilização é a grande responsável pela riqueza do solo, pela domesticação de plantas e de uma relação harmônica com a floresta. Com a chegada da civilização europeia ao continente, o impacto sobre essa população amazônica foi absurdamente trágico, principalmente pela dificuldade biológica de reação sobre doenças trazidas pelos europeus.

Poder visitar realidades anteriores a esse período de morte, falência e descontinuidade é algo fascinante. Se pensarmos que as cidades que criamos nos deixam só, ao tempo que esse comportamento é absolutamente estranho para um ianomâmi. Eles dizem que o homem branco não pensa e perde a vida com superficialidades. Que o homem branco não ama a natureza e nem a humanidade, o que explica a solidão em meio a multidões.

As coisas ficam ainda mais complexas diante das políticas de governo adotadas durante o Regime Militar, que tinham por objetivo integrar a Amazônia ao Brasil. A intenção é ótima, mas isso na prática promoveu inúmeros conflitos sociais muito bem tratados pelo documentário. O choque entre fazendeiros e integrantes do MST, os garimpeiros, a grilagem, o governo e os heróis do INCRA tornam esse enredo esclarecedor. É por ele que podemos ver outras interfaces da natureza do Golpe que o Brasil vive hoje. A força da bancada ruralista e as posturas deteriorantes do Estado-Nacional adotadas por Temer em prol de interesses particulares. O próprio documentário é resultado de uma política nacional que fora abruptamente interrompida pelo Golpe de 2016.

A última frase do filme é marcante e instigante: “O silencio dos espaços infinitos ainda vai no fazer calar a boca”. Assista ao filme Amazônia desconhecida e terá uma aula da realidade brasileira. 

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