quarta-feira, 31 de março de 2010

Seria o fim da mania hipodérmica republicana?

Charles Scholl
13metatron@gmail.com

A lógica da comunicação de massa, com a arrogância política do totalitarismo do século XX, criaram as bases da teoria hipodérmica da comunicação. Desde a década de 30 nos Estados Unidos e 40 no Brasil, a tese é construída por cientistas e, no caso dos norte-americanos, muitos contratados pelo Exército. A tese parte do princípio que existe um emissor de um lado e uma massa de receptores absolutamente passivos na outra ponta. Tal concepção está completamente encharcada da matiz ideológica que orienta os representantes do Partido Republicano nos Estados Unidos. O modelo imperou como referência e orientou o comportamento das empresas de rádio e TV por décadas. Talvez seu maior sucesso tenha sido nos períodos de guerra e nas ditaduras militares da América Latina.

Com a crescente abertura democrática, nasce um novo comportamento em relação aos veículos de comunicação que contrapõe as teses em torno da teoria hipodérmica. Talvez o modelo estatal de comunicação Inglês tenha influenciado os primórdios das pesquisas de recepção, por intermédio dos “Cultural Studies”, iniciados na década de 70. Me parece bastante óbvio que as pesquisas de recepção iniciaram um movimento em direção ao público receptor das mensagens e, passou-se a compreender que a recepção das mensagens não é passiva. Começa-se a perceber que cada receptor pode fazer o que bem entende com a mensagem. Na radicalidade, o olhar desconstitui completamente a forma tradicional da comunicação. Hoje, já é do senso comum que as mensagens veiculadas influenciam a opinião pública, mas não determinam, mesmo que a influência em processos publicitários pode ser determinante para uma tomada de decisão. Emerge então um novo sujeito que cada vez se fortalece mais – o receptor.
A realidade social da atualidade e a velocidade em que são processadas as mudanças têm uma relação direta com o fluxo de informação e de conhecimento que circula em nossa civilização. Não tenho a pretensão de resolver a questão se as mudanças são de correntes do aumento do fluxo de informação e conhecimento ou se essa circulação é que promove a aceleração das mudanças sociais. Provavelmente um pouco de tudo. Mas, o fato é que o desenvolvimento das tecnologias de comunicação em tempo real e as tendências à criação de sociedades virtuais com o advento da internet, providenciou a verdadeira revolução do nosso tempo.
As matizes ideológicas mais comprometidas com as práticas interativas tiveram mais sucesso na utilização das modernas ferramentas de comunicação. A campanha eleitoral que deu vitória ao democrata Barack Obama, em 28 de agosto de 2008, torna evidente à nossa civilização que as teses da teoria hipodérmica se tornaram obsoletas diante do pensamento humano da atualidade. As práticas persuasivas em um modelo político democrático passaram a ter mais valor do que as investidas coercitivas da tradição republicana. Neste processo eleitoral, os Republicanos e Democratas utilizaram as mesmas ferramentas, porém com diferentes posturas políticas. O trabalho liderado pelos Republicanos poderia se resumir a ações virais na rede com o propósito de despejar conteúdos prontos e estrategicamente montados para valorizar seu candidato e desvalorizar seu adversário. Os Democratas utilizaram as redes para que seus conteúdos fossem avaliados pelos receptores e, mesmo no decorrer da campanha, o retorno das redes virtuais modificavam o programa de governo, suas prioridades e até mesmo o discurso do candidato. O receptor torna-se um sujeito ativo e pensante da campanha de seu candidato. Torna-se parte da campanha, contribuindo e legitimando as idéias políticas a partir de uma prática democrática do uso das novas tecnologias de comunicação.

A campanha de Obama utilizou diferentes métodos de comunicação buscando a personalização dos grupos sociais. Os mais jovens recebiam textos dirigidos ao tempo que os mais velhos as mensagens eram mais curtas e concisas. Os textos chegavam por intermédio de apoiadores de Obama, quase que diariamente, mantendo as pessoas informadas sem a necessidade dos caríssimos comerciais da TV americana. Os conteúdos encorajavam as pessoas a participar da campanha, aparecer nos eventos próximos das suas residências. Eles elaboraram um sistema competitivo entre os apoiadores no qual o ganhador teria vaga garantida na festa da vitória de Obama. Os Republicanos tentaram desarticular a estratégia dos Democratas montando uma gama de vídeos, porém com os vícios coercitivos inerentes a sua matiz política. Embora o volume de vídeos tenha sido significativo, os resultados não passaram de uma ação viral. Obama reagiu com tecnologia para identificar individualmente seus eleitores. Quando um eleitor navegava por um dos sites da campanha, um “cookie” era colocado em seu navegador. Esse cookie podia identificar o perfil do usuário a partir dos sites que visitava. Então os conteúdos da campanha eram produzidos de acordo com a preferência do eleitor. A possibilidade tecnológica deu mais importância aos conteúdos individualizados para cada eleitor e tornou a propaganda massiva da TV como uma ação complementar.

Tudo indica que tais ações foram as responsáveis em tornar o site de Obama o que recebeu mais hits, fazendo o seu targeting mais efetivo. No início de julho, o site do Obama batia o de JohnMcCain na proporção de quatro acessos para um. Em setembro, apesar das propagandas massivas dos Republicanos, o site ainda registrava o dobro de acessos. A utilização de ferramentas gratuitas, tais como o Facebook, Twitter, MySpace e YouTube, permitiram uma enorme economia, mesmo com os pesados investimentos feitos para a criação dos sites e das redes sociais. A estratégia de arrecadação para a campanha pela internet também modificou o modelo tradicional de financiamento e reforçou os laços de participação de seus eleitores. Além dos computadores, os Democratas também utilizaram os celulares para integrar ainda mais sua rede social pela internet. E a mudança na comunicação não ficou restrita a campanha eleitoral. Como apontam os prognósticos tecnológicos mais lúcidos, essas mudanças vieram para ficar. Recentemente, o conselheiro de tecnologia de Obama afirmou que a utilização de ferramentas como Twitter e SMS permitiu a troca de idéias em uma velocidade nunca vista, e foi possível disseminar conteúdos de baixo para cima, imprimindo uma dinâmica política inovadora para nossa civilização.

Certamente a campanha vitoriosa de Obama é conseqüência de múltiplos fatores, tal qual toda a campanha eleitoral é. Porém, a peculiaridade que podemos atribuir a esse advento histórico está no sucesso do uso de ferramentas de interação com os eleitores que permitiu uma relação direta com o candidato em tempo real. Sem exageros, a tática possibilitou a sensação da onipresença, sem parecer massivo. Algo que só é possível em nosso tempo, e é por esse caminho que seguem as tendências políticas do século XXI. A experiência política vivida nos Estados Unidos terá grande influência nos processos eleitorais de 2010 no Brasil. Os brasileiros internautas se ampliam aos milhares e as mensagens que circulam na rede têm pautado cada vez mais os veículos de comunicação tradicionais. Essa conjuntura já é suficiente para percebermos que neste ano as novas ferramentas de comunicação terão papel decisivo no processo eleitoral.

Fontes e referências bibliográficas:
- Artigo - Cris Danen e a revista Wired. Editado e adaptado por André Kadow
-RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 1998.
-KLAPPER, Joseph. Os efeitos da comunicação coletiva IN panorama da Comunicação Coletiva.
-LAZARSFELD, Paul. Os meios de Comunicação coletiva e a influência pessoal. IN panorama da Comunicação Coletiva.
-MATTELART, Armand e Michele. História das teorias da comunicação. Loyola, 1999.
-GOMES, Pedro Gilberto. Tópicos de Teoria da Comunicação. São Leopoldo: UNISNOS, 2001.
- RUDIGER, Francisco. Introdução à teoria da comunicação. São Paulo: Edicon, 2003.
- LASSWELL, Harold. A estrutura e a função da comunicação na sociedade IN COHN, G. Comunicação e indústria cultural.
- WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Presença, 2002.
- POLISTCHUCK, Ilana e TRINTA, Aluisio R. Teorias da Comunicação. Campus: 2003.
Outras referências:
Textos e entrevistas de Scott Goodstein - Formado em Relações Públicas, trabalhou em campanhas políticas na década de 1990 ao lado dos democratas e na indústria musical. Na campanha de Obama, desde as prévias, coordenou as ações para internet, principalmente em redes sociais, e para celular, enviando mensagens de texto.
Textos e entrevistas de Peter Giangreco - Especialista em mala direta, aprimorou técnicas de pesquisa para tornar as campanhas por correio mais efetivas. Trabalhou ao lado dos democratas em campanhas de Bill Clinton, Al Gore e John Edwards . Com Obama, serviu como consultor de mala direta e ações segmentadas nas prévias em 2008.

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