sábado, 16 de dezembro de 2017

Heráclito e Parmênides, a relação

Para compreender o período dos sofistas e de Sócrates, com alguma profundidade, é importante conhecer o pensamento de Heráclito de Éfaso(535-475 A.C.) e Parmênedes(515-445 A.C.), da Escola Eleática. Heráclito manifesta de forma óbvia seu debruçar sobre os aspectos intuitivos, valorizando as relações sensitivas do homem observador da natureza. Heráclito valorizava percepção humana sobre o mundo, por seus sentidos naturais. A tese sustentada por Heráclito fala de um mundo em constante transformação e movimento. As consequências deste pensamento coloca Heráclito em franco confronto com a Escola Eleática, que muitas vezes fundamenta seus pontos de vista tomando os preceitos filosóficos sustentados por Heráclito como referência, com objetivo claro de contrapor e desconstituir os argumentos de sustentação de suas perspectivas e ideias sobre a natureza das coisas do mundo.  Seguindo por esse caminho, por essa perspectiva, tomaremos uma evidente rota de colisão com Parmênides. No encontro de ideias, eis a relação. Claro, uma relação de contraste de ideias, mas ainda uma relação.
O pensamento de Heráclito ficou conhecido pela frase “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Por essas perspectivas se colocava contrário aos filósofos da Escola de Mileto, que defendiam as coisas pela sua essência, algo que se perdia com a ideia de movimento de Heráclito. Para ele tudo está em constante movimento e mudança, em permanente estado de fluxo. Ao tempo que Parmênides debruçava força na razão, que os sentidos do corpo humano nos enganam e pela razão encontramos a verdade. A partir da premissa de que algo existe, no caso o “Ser”, Parmêndes concluiu que esse algo não poderia também não existir, no caso o “Não Ser”. Muito influenciado pela lógica de Pitágoras, Parmênides deduz que é impossível existir o vazio. Assim, o algo não pode surgir do nada, pois sempre existiu alguma coisa, de alguma forma. Uma visão estática que afirma que existe algo de permanente, portando com ausência de movimento. Uma clássica relação de antagonismo entre o movimento de Heráclito e a estática de Parmênides.  
Para ingressar na proposta da tarefa, iniciamos a apresentação dos sofistas por Protágoras de Abdera (498 – 421 A.C), o cara da desconstrução. Ao afirmar que “o homem é a medida de todas as coisa, das que são pelo que são, das que não são pelo que são”, Protágoras demonstra seu ponto de vista antropocentrista. Essa abordagem produz um relativismo do conhecimento, na medida que cada pessoa o possuiria por suas perspectivas. É a ideia de que cada ponto de vista é a vista de um ponto é levada a sério de forma radical por Protágoras. Então para ele as perspectivas diferentes aferem verdades distintas. Bom, por grande responsabilidade de Platão e Sócrates, os sofistas foram muito criticados por vender o conhecimento, ao cobrar em dinheiro pelas aulas. Por outro lado, existem releituras que buscam valorizar as virtudes destes pensadores. No caso de Protágoras, é reconhecido por defender um ensino em que a educação permite excelência em todas virtudes políticas. Além da boa retórica, o pensamento de Protágoras produz um relativismo das verdades e um ceticismo epistemológico, quando afirma a impossibilidade de se manifestar sobre os deuses.
Para fazer sentido com a proposta que abre esse texto, surgem os contrastes de Górgias de Leontini(485 – 380ª.C.), considerado o inventor da retórica e autor de obras como Elogio a Helena, A defesa de Palamede, Do não ser, ou da natureza. Seu pensamento contraria Parmênides e a Escola Eleástica.  Bom, falar sobre o nihilismo epistêmico de Górgias requer um pouco de esforço e imaginação. Em um primeiro momento ele afirma que nada existe. Mesmo que existisse qualquer coisa, o homem não pode apreendê-la, não podemos formulá-la nem comunica-la aos outros. Não existe o ser, assim como não existe o não ser e menos ainda o ser e o não ser. Ele justifica que se o não ser existe, ele pode existir ao pode não existir ao mesmo tempo. O que seria estranho. Por óbvio o não ser não existe. Simples assim.
Para tratar do ser e a afirmação de Górgias de que o ser não existe, temos que compreender que ele seria eterno ou engendrado, ou as duas coisas. Se é eterno ele não foi gerado, se não foi gerado não existe. Mas tudo que foi engendrado teve um começo, enquanto o que é eterno não pode ser inventado, mesmo de maneira criativa, pois existiria desde sempre, e seria, portanto, ilimitado, e o que é ilimitado não e encontra em nenhuma parte: se está em um lugar, esse lugar é outro do que ele, estando abarcado por outra coisa. Se assim for, não é ilimitado. Isso não faz sentido, pois se é eterno é ilimitado; se é ilimitado, não está em parte alguma, se não está em parte alguma, ele não existe. O ser não existe, pois não é eterno, nem engendrado, nem os dois ao mesmo tempo. Essas são as bases para Górgias afirmar que nada existe, e se existisse, seria não cognoscível ou mesmo não passível de ser concebido pelos homens. E em um ataque direto a Parmênides e aos Eleatas, Górgias afirma que não há a homologia entre pensar e ser, pois o ser não pode ser objeto de pensamento.
Mas o conflito entre Physis e Nomos, talvez, consiga trazer uma perspectiva do que foram os sofistas entre outros pré-socráticos que integraram nossa narrativa. O tema da justiça entre physis (Natureza) e Nomos (lei), sob o ponto de vista de três sofistas: Trasímaco, Cálicles e Antifonte. O Transímaco sustentava que a justiça é o que convém ao mais poderoso, pois são eles que legislam e fazem as leis. O Cálicles demarcava em favor de physis ao afirmar que o direito positivado tem a função de usurpar o que pertence, em função de sua superioridade evidente o direito fundado na natureza, que tem, em si, a condição de impor, sem restrições, seus desejos. Por aí ele conclui que a lei e a natureza se contradizem. O Antifonte, por um lado defende as normas positivadas, mas faz menção a importância fundamental da Physis, que impera se a pessoa está ausente de sua comunidade, sugerindo que a justiça se justifica nas relações sociais, mas não na solidão, quando o homem está só estará sob a lei da natureza. As demais resultam de acordo e constituem o Nomos, as que são naturais dispensam acordos, pois são necessárias.  
Essa perspectiva de filosofar sobre as coisas do mundo natural são brutalmente modificadas a partir de Sócrates de Atenas (470-69 – 399 A.C.). Ele traz a discussão do ser humano para dentro do cosmos. Afirma que o conhecimento é interno, vem do interior da pessoa. Nesse sentido tem uma máxima que afirma “conhece-te a ti mesmo”. O conhecimento se desenvolve internamente, por meio das virtudes. E Sócrates ainda sustentava que uma pessoa que possuía uma virtude tinha compreenderia a justiça, a temperança, a coragem e a prudência, que constituem as quatro virtudes cardeais.
A moralidade de Sócrates valoriza o conhecimento como uma virtude do bem. Ele não acredita que possa existir conflito entre paixão e razão. Nesse sentido, que faz o bem é uma pessoa esclarecida e sábia, que manifesta em suas ações o conhecimento. Quem age mal, demonstra não ter compreendido algo, ter ignorado a verdade e quem faz isso sistematicamente é um ignorante.

Sócrates não escreveu nada, tudo que sabemos dele são relatos de seus discípulo, entre eles Platão. Seu conhecimento era passado em diálogos que poderiam acontecer em qualquer lugar, com qualquer pessoa. O filósofo desenvolveu um método dialético que consistia em afirmar que sabe que nada sabe. A irônica frase servia como uma abertura de portas para que seu interlocutor pudesse se envaidecer de seus conhecimentos e apresentar suas ideias. Logo em seguida Sócrates destacava as imperfeições do pensamento em uma lógica de refutação e valorizava as ideias que lhe faziam sentido. A conclusão partia com a convicção de que o resultado do diálogo e o aprendizado havia brotado de dentro dele mesmo e que Sócrates havia ajudado a encontrar. Sócrates chamava esse método de Maieutica, um tipo de parto de ideias, que faz referência a mãe do filósofo que era parteira. Ao consultar o Oráculo de Delfos, Sócrates questionou quem é o homem mais sábio do mundo? A resposta apontou para ele e a ironia está em o homem mais sábio do mundo afirmar que nada sabe. No entanto, Sócrates foi condenado à morte por corromper jovens, não acreditar nos costumes gregos e de unir-se a deusas malignos que gostam de destruir as cidades. O que nos mostra que a ideia de justiça tem um longo caminho percorrido e, pelo que podemos compreender hoje, ainda nos reserva um longo caminho pela frente. 

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