domingo, 14 de dezembro de 2008

Entre o céu e o inferno, um elogio ao equilíbrio / 2007

“Então Aristófenes disse: Deixemos que cada um beba à sua vontade, porque também eu estou no número dos que ontem não souberam beber com moderação.”
Fragmento da obra “O Simpósio, ou do Amor” – Platão.


Uma sociedade desequilibrada só pode ser conseqüência das ações de grupos de pessoas desequilibradas, lideradas por referências desequilibradas e o ciclo se retro alimenta em um desequilíbrio harmonioso. O protesto em defesa do equilíbrio ecoa nas mentes humanas como um suplício que se manifesta tanto naqueles que submergiram em situações de miserabilidade extrema, quanto àqueles que se afogam na depressão, mesmo com acesso ao que há de mais moderno.

O desequilíbrio de nossa sociedade encontra maior nitidez se propusermos a desigualdade socioeconômica como nossa principal referência. No Brasil, a diferença entre os 20% mais pobres e os 20% mais abastados é uma das maiores do planeta. Houve significativa diminuição nesse índice com a aplicação do programa de distribuição de renda do Governo Federal, Bolsa Família. Uma importante parcela da população que vive em situação de vulnerabilidade social tem no Bolsa Família sua única fonte de renda. Para muitos usuários o programa é suficiente para complementar a alimentação e garantir a compra de um aparelho celular. Tomemos o aparelho celular como referência de acesso aos bens de consumo dos nossos tempos. O flagrante desequilíbrio se manifesta também nas bases da crítica aos programas de distribuição de renda e do estabelecimento de quotas de compensação social.

A UFRGS está debatendo a política de quotas para ingresso de negros na faculdade. A política de quotas é um mecanismo de compensação sobre o desequilíbrio social. A mesma regra é utilizada para inserir o gênero feminino em espaços sociais predominantemente masculinos. Os partidos políticos têm quotas de participação para mulheres, as universidades têm quotas de participação para negros e os programas de distribuição de renda também podem ser vistos como quotas de participação na sociedade de consumo. É claro que devemos preservar a diferença entre os níveis de exclusão e suas conseqüências, pois a exclusão da universidade pode impor uma vida mais humilde para o excluído, enquanto que na exclusão radical da sociedade de consumo o sujeito morre de fome.

A religião, as civilizações orientais e ocidentais também vivem em desequilíbrio e produzem, por conta disso, infelicidades pasteurizadas para serem consumidas ao longo da existência. As armadilhas fenomenais capazes de aprisionar mentes e sustentar impérios estão por todas as partes. O equilíbrio está em amar o próximo como a si mesmo, um pensamento que está na base religiosa de uma civilização que olha para o céu em busca do divino ao tempo em que vive a repressão de um observador celestial implacável em cobrar os pecados terrenos. Mas amar a si mesmo é a conseqüência daqueles que acreditam que a divindade está em todas as coisas. Sob a ótica oriental tendemos a ser antropocentristas, mas o equilíbrio nos coloca as preocupações ambientais, pois o antropocentrismo radical é a extinção da humanidade.
Retornando ao solo firme da economia de mercado na qual nos propusemos como principal referência, a tecnologia e os bens de consumo podem ilustrar perfeitamente o desequilíbrio das pessoas e suas conseqüências no mundo material. Mesmo que um beneficiário do Bolsa Família consiga adquirir um celular, provavelmente o aparelho opte pelas concepções espíritas e vire rapidamente um “pai de santo” – aqueles aparelhos pré-pagos que só recebem chamadas. Na outra ponta da gangorra encontramos o proprietário da IHouse, Leonardo Senna, utilizando o aparelho celular em seus apartamentos inteligentes. O celular serve para aquecer a banheira, com possibilidade de regular a temperatura da água e a essência floral desejada pelas teclas. Com o celular Leonardo controla toda a iluminação da casa e abre a porta com um clic no aparelho se alguém chegar. O apartamento mais barato com essa tecnologia custa, em média, R$ 2 milhões. Para um trabalhador remunerado com R$380,00 mensais comprar o referido apartamento, teria de trabalhar 5.264 meses, equivalente a 438 anos. Se o sujeito encontrar uma maneira de viver 438 anos, terá que superar o desafio de ficar esse tempo todo sem consumir nada. É evidente que há um desequilíbrio social e que esse desequilíbrio é uma máquina que produz pessoas desequilibradas.

A infelicidade, a inveja, a angústia e o stress são parâmetros que indicam o grau de contaminação da pessoa sobre o desequilíbrio do meio. Na atividade produtiva e no ócio nos deparamos com desequilibrados que nos consomem. A regra vale para aqueles trabalhadores informais que parecem seguidores dos ideais franciscanos de viver com aquilo que é produzido com as próprias mãos, até para os infelizes afortunados que no ócio vivem a agonia daquilo que não podem comprar. Infelizmente, para muitos desgraçados ricos e pobres o equilíbrio se dará somente em seu leito de morte. Pois quando morremos, no instante da morte, somos todos humanamente limitados, equilibrados e finalmente iguais.

Charles Scholl
falecomcharles@pop.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário