domingo, 14 de dezembro de 2008

Um portoalegrense que nos encanta quando canta sua lucidez / 2003

"Algo está pra acontecer posso sentir no ar...." Assim canta Nei Lisboa, em seu último lançamento, "Cena Beatnik", sob o selo da Antídoto, a música n°6, "Pronta-entrega". Uma obra que recomendo pela sinceridade e lucidez de um dos maiores artistas brasileiros que canta nossas vidas. Me senti tocado pela musicalidade que fala tanto quanto a poesia. Fui literalmente jogado à reflexão que gostaria de compartilhar publicamente.

Vivemos hoje diante de uma crise geral que parece surgir como um desafio para nossa geração. É de fato uma abordagem generosa à herança dada, pois nada surge sem causas e nada que fizemos deixa de acarretar em conseqüências, mesmo aquilo que deixamos de fazer. A crise geral pode ser percebida na política, na economia, nas relações sociais e nos valores individuais. A política, ao invés de basear-se na pluralidade dos homens, afirma-se com o que há de comum entre alguns e exclui o "resto". Impregnada de preconceitos neste momento histórico, afasta-se de seu sentido existencial. Assim, pouco contribui na convivência entre diferentes, que seria sua intervenção mais generosa evitando confrontos bélicos. Sem políticas, a diversidade não encontra espaço e nos vemos diante de um mundo de cultura de massa.

A economia, em seu caos absoluto, porque uno meu ponto de vista ao mundo dos excluídos, aprofunda cada vez mais o apartheid social. Hoje podemos afirmar que existem dois mundos distintos. O mundo dos que tudo podem e o mundo dos que nada podem. Uma série de fatores são decisivos à "classificação" do indivíduo neste contexto social predominando, acima da subjetividade, a situação sócio-econômica da família. Talvez a antiga polis fosse menos hipócrita quando estendia a cidadania de forma restrita. Hoje, a diferença é que os trabalhadores que edificam as obras faraônicas dos centros urbanos modernos possuem carteira assinada. Porém, os trabalhadores, assim como os escravos, continuam morando nas periferias da polis e passando a miséria de geração para geração. Continuam orientados por uma religião que propõe a felicidade após a morte e admiram suas autoridades como esfinges.

Os contestadores deste tempo estão afinados com os partidos de esquerda, principalmente no Rio Grande do Sul. Na sua maioria foram vítimas das atrocidades cometidas durante o regime militar e superaram as humilhantes ações repressivas com o compromisso da mudança para um Brasil democrático. Esse sentimento, representa hoje, uma esperança de homens, mulheres e crianças que ultrapassa nossas divisas políticas.

Por outro lado, temos uma parcela extremamente significativa da sociedade que sustenta a situação do Brasil e o aprofundamento da crise. Mesmo alfabetizados e basicamente estruturados para os desafios das mudanças necessárias em todos os sentidos, "a massa calada" une-se às posições conservadoras alinhadas com o senso comum que parasita nossa cultura. Essa tendência cultural maléfica à cidadania universal foi reforçada nas salas de aula quando os currículos escolares excluíam conhecimentos gerais e humanísticos ao longo de mais de 20 anos de ditadura militar no Brasil. Vivemos hoje na sombra da geração em que os pensadores genuínos eram execrados publicamente, presos e assassinados. Não é a toa que o senso comum não gosta de política. Mas é certo que os que não gostam estão condenados a serem pensados pelos que atuam...
Charles Scholl - falecomcharles@pop.com.br

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